A advogada especialista em Propriedade Intelectual, Elisa Santucci, se mostrou surpresa com esse cenário. “Organizei muitas festas para os meus filhos e optávamos por produtos licenciados, que vieram acompanhados de royalties para os fabricantes. Agora, falar sobre design de bolo é um exagero, um alarmismo desnecessário. Cobrar royalties pelo uso do símbolo do time em cima do bolo, na minha visão, vai contra a torcida, pois é uma atitude bastante antipática para os fãs. Não creio que seja essa a intenção dos clubes, já que isso pode resultar em uma publicidade muito negativa. A confeiteira cobra pelos ingredientes e pela confecção do bolo, mas quem decide o desenho do topo é o cliente”, disse Santucci, enfatizando que isso pode ser uma forma de chamar a atenção para o valor da marca.
A advogada traz um exemplo claro. “Se você está à frente de uma loja de cupcakes, aí sim você estaria utilizando a marca para fins comerciais. Nesse caso, seu apelo para a venda é baseado na marca, no escudo. Se sua loja vende doces e cupcakes com os símbolos do Vasco e do Flamengo, eu até entendo que há uma questão comercial. Da mesma forma, qualquer uso de copos, pratos, toalhas, ou lembrancinhas também requer licença, tanto para festas quanto para outros fins. Se você faz uma caixinha decorada com a marca do Vasco para vender em larga escala, ainda assim estaria fazendo uso comercial, pois o produto é mais valorizado pela presença da marca do clube. Até aí eu concordo”, explica.
No entanto, segundo a profissional, notificar quem faz bolos caseiros é bem mais complicado. “Em geral, a boleira não vende um bolo do Flamengo ou do Fluminense, mas sim um bolo, e o topo é escolha do cliente. Não vejo razão para os clubes perseguirem pequenas confeiteiras por conta disso. Para essas boleiras, uma possível defesa poderia ser a cláusula do artigo 132 da Lei 9279, de 96, a Lei da Propriedade Industrial. O inciso 4 do artigo 132 afirma que o proprietário da marca não pode impedir a menção da marca em discursos, obras científicas, literárias ou qualquer outra publicação, desde que não tenha conotação comercial e não prejudique seu caráter distintivo.”
Ela detalha ainda como o artigo 132 pode ser útil para defesa das confeiteiras. “Portanto, neste contexto, eu defenderia as boleiras com base nesse artigo 132, inciso 4, por equidade. Às vezes, a equidade se aproxima do texto da lei. Ela não está explícita, mas a intenção da lei é proteger esse tipo de uso, que não configura uma infração direta”, afirma.
Uma tradição enraizada no cotidiano
Edgar Portela Aguiar, professor de Direito Constitucional e consultor jurídico, que é tricolor, opina sobre se as confeiteiras devem ser punidas por vendem bolos decorados com escudos de times. Ele explica que o Código Civil, nos artigos 186 e 927, estabelece que a obrigação de indenizar só surge quando alguém causa dano a outra pessoa. No caso das confeiteiras, não há danos significativos aos clubes, o que torna desproporcional qualquer sanção.
“Mesmo que se alegue algum pequeno prejuízo aos clubes, as multas costumam superar o valor do próprio produto. É uma violação do princípio da proporcionalidade, já que o artigo 944 do Código Civil diz que a indenização deve ter relação com a extensão do dano supostamente causado”, afirma o consultor. Ele acrescenta: “o crime descrito no artigo 190 da Lei nº 9.279/96 não se aplica aqui, pois a ação das confeiteiras não gera prejuízo significativo. Além disso, pelo princípio da adequação social, práticas que são aceitas e fazem parte da cultura, como a venda desses bolos, não deveriam ser punidas. Na minha visão, penalizar essas profissionais é desarrazoado e ilegal. Desde que o mundo é mundo, pequenas confeiteiras elaboram bolos decorados com escudos de times, uma prática totalmente enraizada na cultura popular.”
Bandeira da legalidade
Márcio Gonçalves, diretor jurídico da Abral – Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens, enfatiza a defesa da legalidade e da proteção às marcas.
“Concentramos nossos esforços nas grandes ondas de pirataria. Nosso foco é apreender os contêineres abarrotados de produtos piratas que chegam aos portos brasileiros, ou mesmo os grandes fabricantes e distribuidores de itens ilegais no país. Cada clube tem suas políticas e sabemos que muitos produtos ligados ao futebol são vendidos irregularmente (sem a devida licença)”, afirma o profissional, que atua nessa área há 30 anos.
Importante mencionar que a Abral é uma entidade sem fins lucrativos que se dedica à promoção, desenvolvimento e defesa do licenciamento, buscando orientar e reunir todos os setores envolvidos nesse mercado: licenciadores, agentes, licenciados, fabricantes, distribuidores, varejistas, entre outros.
Uma atitude descabida
“Eu sou mãe de um jovem atleta e acho incompreensível essa proibição. Se uma criança ama futebol e celebra seu aniversário, proibir o uso da imagem do seu time é simplesmente absurdo. Logo, as festas não terão mais temas. A Disney, o Flork e até santinhos vão querer direitos autorais. A pessoa que vende o bolo ou a decoração está oferecendo um produto e não apenas a imagem. A imagem reflete o desejo de ter algo que a criança ama no seu dia especial”, diz T.C, cabeleireira e mãe de atleta.
Sem palavras
“É tão absurdo que eu não consigo nem acreditar! Onde já se viu uma coisa dessas? É um total absurdo. Estou sem palavras. Sério, o que a gente vai fazer agora? Só bolos com frutas e flores em cima, porque nada mais pode ser usado. Graças a Deus que só faço bolos para casa, para amigos e em situações especiais. Mas, realmente, é um total absurdo. Isso não pode continuar assim. Não tem cabimento! As pessoas estão tentando ganhar seu dinheirinho, enquanto a vida já está difícil para todo mundo. E aí, eles cortam essa diversão assim, do nada”, comenta Berenice de Souza Caetano, de 72 anos.
Procurados pela reportagem do jornal O DIA, os Clubes de Regatas do Flamengo e Vasco da Gama foram diretos: “Não vamos comentar sobre o assunto”. O Fluminense Futebol Clube seguiu a mesma linha: “Não vamos nos pronunciar”. O Botafogo não respondeu às várias tentativas de contato feitas pela reportagem.
Fonte: O Dia