Os competidores BTG e XP, que geralmente estão em lados opostos no mercado, começaram a cooperar nos últimos meses para viabilizar a formação de uma liga exclusiva para os clubes de futebol brasileiros. Esta liga terá como objetivo central a negociação dos direitos de transmissão e exploração de placas nos estádios, visando aumentar a receita destinada a esse segmento.
Atualmente, existem dois grupos envolvidos: a Liga Forte União (LFU), que reúne 26 clubes menores, e a Liga do Futebol Brasileiro (Libra), composta por 19 equipes, incluindo as de maior torcida no país e as mais influentes da primeira divisão. A XP trouxe um investidor para a LFU, a Life Capital Partners (LCP), que aportou R$ 2,6 bilhões por 20% dos direitos de transmissão desses clubes, num contrato de 50 anos. Enquanto o BTG apresentou uma proposta de quase R$ 5 bilhões do fundo de investimentos Mubadala Capital para a Libra, embora o acordo ainda não tenha sido finalizado e não tenha prazo determinado.
Conduzidas pelos bancos de investimento, as negociações entre os dois grupos estavam caminhando para uma conclusão no primeiro trimestre. Contudo, após o Carnaval, os principais clubes decidiram iniciar negociações individuais com a emissora de TV, adiando assim a implementação da liga única.
“Estamos confiantes no futuro”, afirmou Bruno Amaral, sócio do BTG Pactual. “Assim que essas negociações em curso forem concluídas, a discussão sobre a liga será retomada e poderá avançar rapidamente. Atualmente, tudo indica que o processo pode se estender para o segundo trimestre.”
Por trás desta colaboração entre os bancos de investimento está um mercado em ascensão e com grande potencial, praticamente inexplorado pelo setor financeiro. As atividades vão além de simplesmente encontrar investidores para os 50 ou 60 clubes das séries A e B do Campeonato Brasileiro, tanto masculinos quanto femininos, ou para ligas de outros esportes.
Existe também a estruturação de soluções e produtos financeiros relacionados a essa área. Com a profissionalização do setor, a expectativa é que, em cada fase de expansão do negócio, surjam oportunidades para entrada e saída de investidores e recursos. Além disso, áreas correlatas, como entretenimento e mídia, tornam-se parte deste novo território a ser explorado.
Marco legal
Este avanço no mercado ocorreu logo após a aprovação do marco regulatório das SAFs (Sociedades Anônimas de Futebol), em 2021. Antes disso, a atuação dos bancos de investimento nesse setor era esporádica. O BTG, por exemplo, intermediou a venda do clube norte-americano Orlando City para uma tradicional família investidora do ramo esportivo nos EUA, além de assessorar a negociação dos clubes de futebol do Chile em relação aos direitos de transmissão.
“Ao longo dos últimos dez anos, em termos de entretenimento de forma mais ampla, realizamos diversas transações envolvendo o Rock in Rio e assessoramos Fernando Alterio em diferentes momentos da Time For Fun (T4F), incluindo o IPO”, destacou Alessandro Farkuh, sócio do BTG. “Nosso envolvimento com a área de esportes e entretenimento como produto, com grande potencial de valorização para a economia brasileira e latino-americana, vem de longa data e se fortaleceu com a alteração do marco regulatório.”
A XP seguiu uma trajetória semelhante. “A vertical de mídia, esportes e entretenimento tornou-se uma estratégia relevante para nossa franquia de investment banking”, afirmou Guilherme Avila, sócio da XP Investment Banking. “Atuamos na assessoria a clubes, empresas e investidores aqui no Brasil e em mercados como Inglaterra, Portugal, Espanha e França, por exemplo.”
O primeiro grande movimento no setor esportivo, logo após a aprovação da lei das SAFs, foi resgatar clubes em dificuldades financeiras, como Cruzeiro e Botafogo, que agora começam a se recuperar. “O Ronaldo entrou no Cruzeiro quando o clube estava em situação financeira muito mais delicada, refletindo também no desempenho esportivo”, revelou uma fonte próxima. “Desde então, o clube passou por reestruturações, se estabilizou esportivamente e, se hoje o Cruzeiro estivesse disponível no mercado, um investidor encontraria um ativo muito mais seguro financeiramente para investir.”
Além de Cruzeiro e Botafogo, a XP intermediou a venda do Coritiba e do América do Rio Grande do Norte. Já o BTG negociou a venda do Clube Atlético Mineiro para a família Menin e um grupo de investidores mineiros em novembro. “Foi uma transação na qual a SAF foi avaliada em mais de R$ 2 bilhões, com R$ 900 milhões investidos no clube, demonstrando gestão inteligente e disciplinada”, explicou Farkuh. “O Atlético Mineiro é gerido hoje como uma grande empresa, contando com um conselho de administração e diretores que buscam oportunidades de negócios em todas as áreas.”
Profissionalização e novas perspectivas
Dessa forma, a Arena MRV, agora sob uma gestão profissional, tem potencial para inserir Belo Horizonte no circuito de grandes eventos que realizam turnês pelo Brasil. “Com a profissionalização e governança, que já são realidades na maioria dos clubes, é possível liberar recursos, tornando o sistema bancário e o mercado de capitais mais ativos nesse setor”, ressaltou.
Atualmente, os principais clubes, com menos problemas financeiros, mais fontes de receita e poder de negociação, estão envolvidos nas discussões. O BTG está encarregado de buscar investidores para a SAF do Fluminense, tendo em vista que André Esteves, fundador do banco, é torcedor declarado. Diariamente surgem rumores sobre outros clubes na imprensa esportiva.
Isso sem mencionar a liga única de futebol que os bancos estão trabalhando em conjunto para concretizar. Um levantamento da Deloitte revela que o Campeonato Brasileiro movimenta menos de um terço do que a Premier League inglesa e menos da metade da La Liga espanhola.
Esse cenário não se deve apenas à qualidade do futebol. Pelo contrário, a falta de distribuição equitativa gera um efeito negativo sobre o campeonato, estimulando a saída de bons jogadores do país. A competição se torna carente e com poucas alternativas de receita. Com a liga única, defendem os bancos, será possível negociar com mais canais, tanto abertos quanto fechados, as diferentes fases da competição, como é feito no exterior. Além disso, será possível desenvolver produtos inéditos, como jogos de videogame e séries de TV relacionadas ao Campeonato Brasileiro.
“Ao reunir todos os clubes, é viável estruturar e diversificar diversas oportunidades e atrair novos apoiadores para este produto”, explicou Amaral. “Isso permitirá planejar as entregas de forma mais estratégica, em um momento no qual a indústria do streaming considera o esporte vital para impulsionar o número de assinantes.”
A Netflix, por exemplo, recentemente adquiriu os direitos de eventos esportivos para transmissão ao vivo, como lutas. O mesmo vem sendo feito por Apple TV, Amazon, Disney e HBO. “Essa demanda tende a resultar em melhores condições para os direitos de transmissão relacionados ao Campeonato Brasileiro”, acrescentou.
Este passo inicial abrirá caminho para que outros esportes sigam o mesmo rumo. “Com a possibilidade de uma Liga do Campeonato Brasileiro, teremos oportunidade de promover ligas em outros esportes, além de campeonatos dentro do futebol brasileiro, incluindo regionais, que também poderiam atrair novos investidores”, explicou Avila. “Já temos projetos relacionados a outros esportes em andamento.” O BTG também está procurando investidores para esportes que vão além do futebol, como automobilismo, futebol de salão, vôlei e basquete.
Fonte: Estadão