Info Acessibilidade Números — Foto: Infoesporte ge
A luta pela acessibilidade em estádios ainda encontra resistência entre muitos frequentadores. Além da necessidade de melhores estruturas, uma questão significativa enfrentada por pessoas com deficiência (PCD) é a falta de respeito por parte dos torcedores. Para promover a conscientização e atender essas demandas, Cláudio e Karla Bazoli deram início ao projeto “Caçadores de Estádios de Futebol”, um perfil no Instagram que avalia a acessibilidade em diferentes arenas no Brasil e no exterior.
O projeto surgiu a partir das experiências de Cláudio, que é cadeirante e enfrenta desafios ao assistir jogos do Vasco, seu time do coração. A ideia é mapear os estádios, vivenciando a experiência de um cadeirante para avaliar a eficácia da acessibilidade e identificar pontos que necessitam de melhorias. Surpreendentemente, lugares considerados mais tradicionais podem estar melhor preparados para receber PCDs do que algumas areneas modernas construídas para Copas do Mundo.
No próximo domingo, 21 de setembro, será comemorado o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. O casal conversou com o ge sobre seu projeto, que traz à tona os estádios com melhores (em verde) e piores (em vermelho) estruturas de acessibilidade, de acordo com suas análises.
— Nosso objetivo é buscar melhorias. Notamos que um número reduzido de PCDs e deficientes frequenta estádios de futebol devido à falta de informação. Quando falamos em “futebol para todos”, isso deve ser uma realidade para todos, independentemente da condição física. A acessibilidade deve ser uma prioridade, não apenas para Cláudio, mas também para obesos, PCDs, autistas e idosos — afirmou Cláudio.
— Muitos estádios surpreendem, mas os problemas são variados. Existem falhas como a falta de informação sobre entradas acessíveis, ausência de salas sensoriais para autistas e obstrução de visão devido à disposição das cadeiras. Quando os torcedores se levantam, a nossa visão fica comprometida. Há também a falta de organização que resulta na interdição de áreas acessíveis para cadeirantes, entre outros diversos problemas — acrescentou.
O casal está junto desde dezembro de 2012 e começou a explorar estádios em 2013. Até agora, já visitaram 209 estádios em 22 países, com 33 desses no Rio de Janeiro. Cláudio almeja ser o primeiro cadeirante brasileiro a assistir a pelo menos um jogo em todos os 26 estados do Brasil, além do Distrito Federal, com a meta de ser concluída até o início de 2026. No próximo mês, eles devem assistir a uma partida da Segunda Divisão do Campeonato Tocantinense, encerrando a jornada no Amapá, onde se localiza o Zerão, representando o “zerar” o Brasil.
Cláudio se apaixonou por futebol por conta do Vasco e, mesmo antes de se tornar cadeirante, já frequentava as arquibancadas. Karla, menos envolvida no universo do futebol, se juntou às aventuras do marido, auxiliando-o a conquistar liberdade apesar da cadeira de rodas. O projeto resulta da união dos sonhos dos dois — um sonhou o sonho; o outro trouxe a motivação para realizá-lo.
— Esses são sonhos que eu não sonhei, mas o projeto sonhou por mim. E juntos, estamos realizando! Eu fico mais feliz em conhecer os estádios, o que acho incrível — compartilhou Karla.
— Ela é a grande responsável pela realização de tudo isso. Eu elaboro um sonho e ela embarca na minha jornada. Se eu convocá-la para assistir a um jogo de futebol na lua, aposto que ela iria — brincou Cláudio.
As visitas aos diferentes estádios revelam progresso, mas também destacam riscos. A acessibilidade já é um desafio nos setores dos times mandantes, e em setores visitantes, essa situação é ainda mais precária. No Mineirão, que foi reformado após a Copa, Cláudio teve que ser carregado pela escada devido à ausência de rampas e elevadores.
Em contato com a reportagem, a assessoria do estádio mineiro esclareceu que as arquibancadas superiores possuem proteção tombada, impossibilitando reformas como a construção de rampas. Assim, os espaços para cadeirantes ou pessoas com mobilidade reduzida estão concentrados nas arquibancadas inferiores. “Os torcedores visitantes podem ser alocados em uma área de camarote, designada a visitantes”, diz a nota. Após retornar ao estádio anos depois, Cláudio teve uma experiência melhor, apesar de já ter enfrentado situações difíceis na América do Sul.
— Vou a esses locais porque a paixão pelo futebol me impulsiona, mas a situação precisa melhorar bastante — reconheceu.
Info Acessibilidade Nueva Olla — Foto: Infoesporte ge
Casa pouco acessível
O estádio que Cláudio e Karla mais frequentam é, sem dúvida, o São Januário. Como torcedor do Vasco, Cláudio reconhece que o local é mais antigo, mas já apresentou diversas sugestões ao clube para aprimorar a acessibilidade. Recentemente, uma demanda foi atendida com a instalação de um guarda-corpo na área social. No entanto, ainda existem problemas relacionados à visibilidade. Por conta disso, outra solicitação se concretizou durante a partida entre Vasco e Corinthians, quando o ge acompanhou o casal.
No estádio, o acesso para quem utiliza a gratuidade é feito na arquibancada. Sócio do clube, Cláudio prefere a área social pelo conforto. Porém, o setor destinado aos bilhetes gratuitos é frequentemente obstruído por torcedores em pé, comprometendo a visão. A solução encontrada foi a instalação de uma grade, uma demanda que já havia sido solicitada anteriormente. Nas partidas subsequentes, a administração do estádio manteve essa estrutura e designou funcionários para monitorar a área, evitando que torcedores se aglomerassem ali.
Pessoas em volta da área acessível em São Januário — Foto: Luiza Sá/ge
O acesso, no entanto, é feito de forma improvisada. Como a entrada para a área social é feita por escadas, o Vasco abre o portão da garagem, e a equipe ajuda Karla a descer e subir a rampa. As expectativas são altas para que, após a reforma, a acessibilidade seja considerada de forma mais eficaz. Cláudio já estabeleceu contato com pessoas envolvidas na elaboração do novo projeto do estádio e aguarda que suas sugestões sejam levadas em conta. O clube também anunciou que irá convidá-lo a participar de reuniões com a equipe de arquitetura, visando entender melhor as necessidades específicas e incluí-las no projeto.
— São Januário, por ser um estádio quase centenário, tem pontos que precisam ser melhorados para cadeirantes. No entanto, isso não significa que seja 100% inacessível. Um ponto positivo é que o Vasco foi o primeiro clube do Rio a criar um camarote voltado exclusivamente para autistas. Além disso, a implementação da gratuidade online facilitou bastante. Para mim, a área acessível para a gratuidade está na arquibancada, mas prefiro ser sócio e ir para a social, onde posso acompanhar a partida de maneira mais respeitosa, sem que minha visão seja bloqueada — detalhou Cláudio.
O maior também tem problemas
O ge acompanhou o casal durante a partida entre Brasil e Chile, pelas Eliminatórias, no Maracanã, o principal estádio do país. Esse é o segundo mais visitado por eles, que avaliam positivamente a estrutura, mas destacam a falta de educação dos torcedores, um problema comum em todos os setores. Na área designada para cadeirantes, muitos torcedores ficam em pé. Além de ter que pedir licença para posicionar a cadeira de Cláudio, Karla frequentemente precisa explicar que ocupará o assento destinado ao acompanhante. A falta de respeito é evidente.
Karla observa que muitas pessoas só percebem o problema quando vivenciam a situação. Em um incidente semelhante, um senhor com dificuldades de mobilidade foi levado à área acessível por um funcionário com uma cadeira de rodas destinada ao uso no estádio. Mesmo assim, várias pessoas permaneceram em pé na área designada, ignorando a presença de seguranças e câmeras.
Maracanã com pessoas na área de acessibilidade — Foto: Arquivo Pessoal
— Falta conscientização. Se eu não passar por essa situação, não percebo que ela existe. O torcedor olha e pensa que está tudo bem. Mas, se ele se colocasse no lugar do outro e visse que não consegue, a situação só seria compreendida se ele vivenciasse algum problema de mobilidade — explicou Karla.
Durante o jogo da seleção, houve um programa de gratuidade para pessoas acima de 60 anos, pessoas com deficiência e crianças menores de 12 anos. As solicitações deveriam ser feitas através de um site, anexando documentos que comprovassem a condição. Muitos tiveram seus pedidos negados. Para assegurar a presença, Cláudio e Karla acabaram comprando os ingressos.
— O Maracanã é muito satisfatório, gosto bastante. O metrô facilita o acesso, há rampas e elevadores na entrada, e gratuidade em alguns jogos. Contudo, o problema se encontra na área destinada aos cadeirantes. Durante o jogo, devido à desorganização, pessoas acabam invadindo o espaço, como se fosse uma varanda. Muitas vezes, isso atrapalha minha visão e perco lances importantes da partida — relatou Cláudio.
Em nota, a administração do Maracanã expressou seu pesar pela situação ocorrida durante o jogo e “a falta de respeito de certos torcedores em não respeitar os locais destinados às Pessoas com Deficiência no estádio. Internamente, o Maracanã já tomou as medidas necessárias para garantir que isso não ocorra novamente nos próximos eventos”.
No Rio de Janeiro, Cláudio também visitou o Estádio Nilton Santos. Ele elogiou a estrutura que conta com rampas, elevadores e visão desobstruída, mas apenas no setor mandante. No setor visitante, as pessoas ficam em pé à sua frente, obstruindo a visualização dos jogos. Em depoimento ao ge, o estádio afirmou que “foi projetado com acessibilidade reconhecida em todo o anel inferior, possuindo locais apropriados e equipes treinadas para orientar pessoas em cadeiras de rodas até esses locais e prontas para auxiliar em quaisquer necessidades adicionais”. Isso é um problema recorrente em diversos estádios, com a exceção sendo a Ligga Arena, que oferece um setor de visitante com boa acessibilidade.
Os piores estádios
O maior desejo do casal em relação ao projeto é ver resultados práticos nas arenas do Brasil e do mundo. Além das publicações e da ajuda a outros cadeirantes, eles também participam de palestras para compartilhar suas experiências.
— A mensagem essencial que quero deixar é que, para criar um espaço acessível, é necessário consultar aqueles que realmente vivenciam o problema. Não faz sentido designar um arquiteto para criar um espaço de acessibilidade se ele não compreende as dificuldades, como o cadeirante ficar com a visão obstruída ou não ter acesso facilitado para entrar e sair do estádio. Esse fator é crucial, pois em situações de emergência, uma evacuação eficaz é vital. Para que as mudanças ocorram, é preciso empatia e boa vontade — comentou Cláudio.
— É essencial conscientizar as pessoas. Os estádios sabem da necessidade de áreas acessíveis. Às vezes, essas áreas não estão em conformidade com o que deveriam, mas é imperativo ter indivíduos responsáveis pela gestão do espaço. Por exemplo, para que não tenhamos que disputar espaço com ninguém e pedir que as pessoas se retirem. A pessoa em cadeira de rodas deve ser livre para ir e vir, independentemente de estar acompanhada. A acessibilidade deve ser um direito garantido ao cadeirante — completou Karla.
Info Acessibilidade La Huerta — Foto: Infoesporte ge
O casal listou os quatro piores estádios que visitaram: dois são internacionais — o Al-Bayt, no Catar, que acolheu partidas da Copa do Mundo de 2022, e o La Huerta, no Paraguai. Os outros dois são brasileiros: a Arena Fonte Nova, em Salvador, e o Kleber Andrade, em Vitória, no Espírito Santo. A equipe do ge entrou em contato com os estádios, mas os dois internacionais não responderam.
A Arena Fonte Nova informou que segue as diretrizes de acessibilidade e conta com orientadores locais que oferecem suporte e atuam constantemente na conscientização do público para evitar que se levantem nas áreas reservadas aos cadeirantes.
Info Acessibilidade Kleber Andrade — Foto: Infoesporte ge
A Secretaria de Esportes e Lazer do Espírito Santo defendeu a infraestrutura de acessibilidade do estádio, destacando facilidades como rampas de acesso, elevadores, banheiros adaptados e uma sala sensorial para pessoas neurodivergentes. Em resposta ao relato de Cláudio, afirmou que análise de medidas de orientação e fiscalização está sendo feita para garantir que os espaços reservados sejam respeitados e utilizados adequadamente.
Fonte: ge