Um ano depois, visando combater o crime organizado, as questões de saúde pública e a prisão de jovens, foi aprovada a Lei 19.172 na Câmara e no Senado locais.
Naquela época, o então presidente Pepe Mujica fez do Uruguai o primeiro país no mundo a estabelecer uma legislação que cobria todas as fases do mercado da maconha, desde a produção até o consumo, incluindo a venda em farmácias regulamentadas e um registro de usuários em um sistema governamental.
Mas como isso se relaciona com o futebol? Mujica e o Uruguai tornaram-se referências na luta pela regulamentação do uso e do comércio de maconha. O ex-presidente uruguaio, falecido na última terça-feira (13), aos 89 anos, se tornou o ícone de um grupo de torcedores do Vasco: a famosa “Vasconha” — que, como seus membros ressaltam hoje, não é uma torcida organizada, mas sim uma empresa, com CNPJ e todas as formalidades.
A Vasconha, que começou de forma informal no final dos anos 1990, adotou Pepe Mujica como “padrinho” após as iniciativas do então presidente no país vizinho. Em 2015, durante uma visita de Mujica ao Brasil — já como senador e não mais presidente —, o primeiro bandeirão em homenagem ao político uruguaio circulou nas redes sociais, exibindo o escudo do Vasco, uma ilustração de Mujica e as palavras “Vasconha” e “El padriño”.
Com a recente morte de Mujica, a Trivela visitou a loja da Vasconha, situada a poucos metros da entrada principal de São Januário, conversando com Vinícius Santos, conhecido como “Cabeça”, um dos fundadores da Vasconha e atualmente sócio da empresa.
— No início, pensamos em escolher uma pessoa que representasse a filosofia de vida que acreditamos. E não foi difícil chegar à conclusão de que Mujica poderia ser essa figura. Na época, não consegui encontrar ninguém aqui no Brasil que se encaixasse nesse perfil. Assim, ficou claro que Mujica representava bem o que entendemos como a filosofia da Vasconha — declarou Vinícius Cabeça à Trivela.
Atualmente, Mujica aparece no logotipo da Vasconha, em bandeirões, camisetas, adesivos e até em papéis para enrolar produzidos pela empresa, além de ter seu grafite na loja e em um mural próximo de São Januário. Contudo, para os sócios vascaínos, Mujica é mais do que um simples “mascote”. Sua figura transcende a luta pela regulamentação do consumo de maconha.
— É evidente que a luta contra a prisão de jovens e pobres devido à guerra às drogas é mais notável, mas o Mujica representa um conjunto maior de filosofia, pensamento, solidariedade e simplicidade — enfatizou Vinícius Cabeça.
— A questão da legalização das drogas é mais visível porque estamos à frente da Vasconha, mas entendemos que a essência dele, seu caráter, está intimamente ligado a nós — acrescentou o sócio da Vasconha.
A Vasconha também reflete a solidariedade de Mujica
O aspecto solidário de Mujica tem sido fonte de inspiração para a Vasconha. Como já foi mencionado pela Trivela, a empresa realiza ações sociais voltadas para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), além de apoiar asilos e comunidades locais nas proximidades de São Januário. O grupo também é ativo na conscientização sobre o uso medicinal da maconha.
— Temos esse caráter solidário que nunca deixamos de lado. Começamos ajudando lares de idosos, pois também existe um uso medicinal da cannabis para os mais velhos. Um dos nossos sócios tem um filho autista, e assim começamos a entender a necessidade e a realidade do dia a dia dessas famílias, e sabemos que é preciso oferecer suporte — explicou Vinícius, antes de concluir.
— A solidariedade se manifesta não apenas através de eventos de inclusão, mas também na conscientização das pessoas. Temos uma plataforma que nos dá visibilidade, e é importante usá-la para essa causa. Isso também remete à essência solidária do Mujica.
A Vasconha prestou homenagem a Pepe Mujica
Ainda em vida, Mujica recebeu homenagens da Vasconha. Em abril do ano passado, o ex-presidente revelou que estava com um tumor no esôfago, que estava “muito comprometido”. Mujica também chegou a comentar que sua situação de saúde era “duplamente complicada” em razão de uma doença imunológica que afetava seus rins há mais de 20 anos. Em janeiro deste ano, ele declarou que “estava morrendo” e que havia interrompido o tratamento médico.
No mesmo mês, a Vasconha prestou uma nova homenagem a Mujica com um bandeirão que trazia a frase “gracias, Mujica”. A bandeira foi levada e agitada em São Januário durante uma partida do Campeonato Carioca.
Como a Vasconha não é uma torcida organizada e não possui registro no BEPE, eles precisam do apoio de alguma torcida organizada do Vasco para levar a bandeira nos jogos — o que será tentado neste sábado (17), contra o Fortaleza, pelo Campeonato Brasileiro, em São Januário.
Após a morte de Mujica, na última terça-feira, a Vasconha publicou uma mensagem em homenagem ao seu “padrinho”:
— A Vasconha levanta sua bandeira, seu lenço e sua luta em homenagem a Pepe. Mais do que um símbolo, ele é uma semente que germina em cada ato de coragem, em cada voz que desafia o sistema, em cada passo em direção a um mundo mais justo. Descanse em paz, velho guerrilheiro — seu exemplo continua a brilhar, como uma brasa que nunca se apaga — diz um trecho da nota da Vasconha.
Fonte: Trivela