O crescente número de técnicos estrangeiros no futebol brasileiro — atualmente, são dez apenas na Série A — gerou um interessante debate na Conferência Nacional de Futebol, a Conafut, nesta quinta-feira (13).
O evento, realizado na Neo Química Arena, Zona Leste de São Paulo, segue até sexta-feira (14) e reúne especialistas de diversas áreas do futebol para discussões e networking.
Com mediação de Bruno Rodrigues, editor de esportes da CNN Brasil, o painel “Invasão estrangeira” contou com a presença surpresa de Fernando Diniz, técnico do Fluminense, que fez uma breve aparição na sala do diretor executivo do clube, Paulo Angioni, que participava do debate por videoconferência.
Antes disso, Angioni mencionou Diniz, criticando a falta de tempo de trabalho concedida pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) durante sua passagem pela Seleção, enquanto o painel discutia a possibilidade de um técnico estrangeiro assumir a equipe nacional.
Em relação à vinda de um treinador estrangeiro para o Brasil, vejo como essencial, já que os técnicos brasileiros estão sendo apenas vistos como “apostas”. Diniz teve sua chance, mas não lhe deram tempo suficiente para implementar seu trabalho. Fernando é o profissional que mais impactou o futebol brasileiro nas últimas quatro décadas, trouxe inovações, novas abordagens, um método de gerenciamento incrível, porém infelizmente teve uma passagem muito breve pela CBF. O Brasil tem poucas alternativas por isso (a possibilidade de um treinador estrangeiro no futuro).
Paulo Angioni, diretor de futebol do Fluminense
Crítica do diretor do Fluminense à falta de oportunidades
Angioni foi um dos participantes mais incisivos do debate, que também contou com os treinadores Carlos Leiria (do Resende-RJ) e Leandro Mehlich (coordenador técnico do Rio Branco-SP), além do argentino Leonardo Samaja, coordenador da Associação de Treinadores de Futebol Argentino (ATFA) com experiência em clubes brasileiros.
O executivo do Fluminense, com ampla trajetória no futebol, iniciou sua participação admitindo ter tido uma breve experiência com técnicos estrangeiros no passado — quando trouxe o argentino Daniel Passarela em 2005, por cerca de um mês. Ele abordou o que chamou de aspecto social da “invasão estrangeira” de treinadores no Brasil.
Não sou contra, mas me vejo diante de um dilema. As qualificações estão sendo aprimoradas no Brasil, mas as oportunidades de trabalho não acompanham esse avanço. Existe um aumento na capacitação, porém não na oferta de empregos. Enfrentamos uma grande crise de desemprego, especialmente no futebol. Reconheço que o tema é complexo. Não podemos permitir que se baseie em modismos, algo cada vez mais comum no Brasil
Paulo Angioni, diretor de futebol do Fluminense
Também em videoconferência, da Espanha, onde reside atualmente, Leonardo Samaja criticou o tom violento do termo “invasão estrangeira” e ponderou sobre o assunto.
“Vamos analisar essa questão sob o ponto de vista dos atletas. Imagine se começarem a questionar por que tantos jogadores sul-americanos vão para a Europa? O Brasil não deveria entrar nesse debate”, opinou.
Nós, estrangeiros, temos uma cultura e experiências diferentes, nem melhores nem piores. O que questiono são decisões no âmbito diretivo influenciadas pelas redes sociais. Apontam para uma direção específica e, muitas vezes, contratam um técnico que não tem qualificações superiores a um brasileiro
Leonardo Samaja
Diferença de tratamento para brasileiros
Um ponto levantado por Leandro Mehlich, coordenador do Rio Branco-SP e ex-treinador de diversos clubes, foi a disparidade no tratamento e na “paciência” dedicados aos treinadores brasileiros e estrangeiros.
Sou favorável à presença de técnicos estrangeiros no Brasil, pois quanto mais qualidade nos adversários, maior será nossa capacitação. Porém, há uma diferença de tratamento, com mais paciência em relação aos treinadores estrangeiros. Os brasileiros têm menos tempo de trabalho e são menos valorizados. Quantos treinadores o Cruzeiro teve antes de efetivar Fernando Seabra, que já estava no clube? Ele precisou ir para o Red Bull Bragantino para então ser reconhecido. Paulo Victor venceu tudo na base do Palmeiras. Alguém sabe onde ele está? No México… Junto com André Jardine, que foi campeão lá. Por que eles não estão aqui?
Leandro Mehlich
Leiria, com formação como treinador em Portugal, compartilhou sua vivência no futebol europeu. Para ele, um ponto crucial é a exigência de qualificação.
Foi fácil chegar lá e muito difícil sair. Porque é um aprendizado rigoroso. Aqui, nossos treinadores não conseguem demonstrar conhecimento, enquanto os técnicos estrangeiros têm espaço em discussões para abordar com profundidade temas como fisiologia, preparação física e fisioterapia… Por que os nossos não o fazem? Porque são rotulados…
Carlos Leiria, treinador do Resende-RJ
O impacto da Copa do Mundo Feminina de 2027 já está em curso
No último painel do primeiro dia da Conafut, o foco foi o desenvolvimento do futebol feminino no Brasil e, naturalmente, a expectativa por sediar a Copa do Mundo de 2027.
Além disso, a mediadora Japa Mayumi fez uma breve análise do progresso da modalidade no país. Participaram do painel Íris Sesso (Corinthians), Nuty Silveira (Ferroviária), Lucas Almeida (Centro Olímpico) e Sandra Santos (Instituto Brasileiro de Futebol Feminino).
Para os participantes, ficou claro que “a Copa de 2027 já está em andamento”.
“A Copa irá impulsionar significativamente a modalidade, porém não pode se limitar a apenas 30 dias, senão será um retrocesso”, alertou Sandra. “Convido mais mulheres a se especializarem, não apenas como atletas, mas também em cargos de gestão e outras funções ligadas à modalidade, pois as oportunidades irão surgir e precisamos estar preparadas para ocupar essas posições”.
A Ferroviária, por exemplo, está se adiantando e planejando um Centro de Treinamento de excelência em Araraquara, focado nas categorias de base do futebol feminino. Financiado por incentivos fiscais, o espaço contará com cinco campos, incluindo um mini estádio, e terá toda a infraestrutura para receber mais de 80 meninas.
Não é por acaso que a Ferroviária segue competindo de igual para igual com outros clubes de grande porte com times masculinos. É fruto de um trabalho contínuo. A Copa abrirá portas para novas parcerias e negócios para o futebol feminino. Já estou negociando a renovação do patrocínio com dois parceiros até 2027, o que garantirá mais sustentabilidade para o projeto.
Nuty Silveira, coordenadora de futebol feminino da Ferroviária
Às vezes me perguntam: “de novo o Corinthians foi campeão?”. É fruto de trabalho, por mérito. É um desafio diário que enfrentamos, desde as categorias de base até a equipe. Não alcançamos recordes por acaso. Nosso objetivo é continuar crescendo cada vez mais
Íris Sesso, gestora do futebol feminino do Corinthians
Fonte: CNN Brasil