Qual é o peso de um erro? No caso de Ygor de Oliveira Ferreira, conhecido como Ygor Catatau, o custo foi alto. Ele enfrentou a eliminação do futebol profissional e perdeu um contrato milionário no Irã após ser punido por aceitar manipular o resultado de um jogo na Série B em 2022. Em entrevista ao ge, o ex-atacante do Vasco, que tinha um salário de R$ 10 milhões por ano, explicou como tudo desmoronou após a punição.
Com 29 anos, Catatau agora perambula por diferentes estados jogando futebol amador e ainda nutre o sonho de retornar ao profissional. Ele foi afastado do esporte, mas não banido, o que significa que sua punição poderá ser revista após dois anos, no próximo mês. Ele faz parte dos quatro atletas que foram afastados na Operação Penalidade Máxima, realizada em 2023 pelo Ministério Público de Goiás.
Segundo as investigações, Catatau e outros quatro jogadores aceitaram R$ 150 mil para manipular o resultado de uma partida na Série B em 2022. Antes do jogo entre Sampaio Corrêa e Londrina, Ygor foi abordado por um grupo criminoso e acabou recebendo um “sinal financeiro” para executar a ação ilícita.
“Chegou para todos. Eu não saí espalhando. Eu não conhecia a quadrilha. Essas pessoas vão atrás de quem está em uma situação difícil e te iludem. De alguma forma, elas te pegam”, explicou Ygor.
“Quando você está precisando de algo, acaba ficando cego e aceitando, que foi o que aconteceu comigo”, acrescentou o ex-jogador.
Em 2020, Ygor Catatau defendeu o Vasco da Gama — Foto: Rafael Ribeiro / Vasco
O atacante marcou nove gols em 33 jogos pelo Sampaio naquele ano. Ygor começou a trabalhar aos 12 anos, ajudando seu pai a “guardar carros”. Ele foi pedreiro e conciliou estudos com futebol na base do Madureira, onde se profissionalizou.
Além do Sampaio, Catatau jogou no Boa Esporte, Barra da Tijuca, Vitória, Mumbai City, na Índia, e teve uma passagem de 19 jogos pelo Vasco em 2020, onde fez um gol em um clássico contra o Botafogo no Campeonato Brasileiro. No ano em que foi punido, o atacante havia assinado seu maior contrato: R$ 10 milhões por dois anos no Sepahan, do Irã.
“Por que comigo foi assim?”
No dia 5 de maio de 2023, o Sepahan, do Irã, jogou e venceu o Naft Masjed Soleyman por 2 a 0. Esse foi o último jogo de Ygor Catatau como atleta profissional. Ele foi punido em julho de 2023, e o Sepahan rescindiu seu contrato, o que resultou na perda de três quartos do salário previsto. Desde então, ele buscou se reinventar.
Ygor contou que enfrentou muitos julgamentos desde então e que teve que aprender a lidar com as críticas. Ao relembrar sua situação, o ex-atacante não conseguiu conter as lágrimas.
— Me emociona (choro). Desculpe. Essa punição foi muito pesada, especialmente agora, quando surgem outras situações e falam: ‘com Catatau não foi assim’. É difícil, irmão. Não quero julgar ninguém, mas é pesado ver que a situação é tratada de forma diferente com outras pessoas — disse Ygor.
“Só fico pensando: por que comigo foi assim?”, desabafou o ex-jogador.
Ele afirma que não atuou para manipular resultados e expressou sua tristeza por não ter conhecimento suficiente na época para evitar contato com apostadores.
“As minhas lágrimas não são de revolta, mas de tristeza. Eu só queria ter mais entendimento e informação para não me envolver naquela situação”, lamentou Ygor Catatau, que foi eliminado por envolvimento em fraudes esportivas.
Atualmente, Ygor Catatau joga futebol amador em Minas Gerais, Paraná e Cuiabá, além do Rio de Janeiro, e ainda sonha em retornar ao futebol profissional. Ele deseja que haja mais conscientização para que outros atletas não cometam o mesmo erro, oferecendo-se para ajudar a promover a erradicação das fraudes esportivas.
— Acredito que, se houvesse palestras informando sobre os riscos que essas ações trazem para os jogadores e suas famílias, isso não apenas diminuiria, mas eliminaria esses problemas. Isso destrói famílias, vidas e sonhos — concluiu Ygor Catatau.
Catatau no futebol amador do Paraná, pelo Bagagem Futebol Clube — Foto: Arquivo Pessoal
Casos diminuem
Os dados mostram uma redução contínua em jogos suspeitos de manipulação no futebol brasileiro em 2022, 2023 (ano da Operação Penalidade Máxima) e 2024, após decisões do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). No total, a operação resultou na punição de 22 jogadores, cinco dos quais foram banidos ou eliminados, como no caso de Ygor Catatau.
O ge conversou com José Perdiz, ex-presidente do STJD durante a Operação Penalidade Máxima e interventor da CBF. Ele discutiu as formas de atuação e fiscalização da justiça desportiva e comum.
— As apostas em ações individuais, como cartões amarelos ou vermelhos, são preocupantes porque facilitam as fraudes — afirmou o ex-presidente do STJD.
Um relatório da Sportradar, divulgado em janeiro deste ano, indicou que o Brasil teve uma redução de 48% nos casos suspeitos de manipulação de resultados no futebol em comparação entre 2024 e 2023.
Só punir basta?
Esses dados podem estar relacionados diretamente com a Operação Penalidade Máxima de 2023, mas será que o medo das punições realmente gerou conscientização nos atletas? Como educar os esportistas para que entendam que a razão para a proibição desse ato criminoso vai além do temor de represálias? O psicólogo Demerval Bruzzi ressalta que as sanções não são o único caminho.
— O medo de punições pode ser um forte fator limitante, porém, se encararmos apenas essa perspectiva, ficamos restritos a um pensamento do tipo: ‘é melhor parar, pois posso me prejudicar’. Embora as punições reduzam as chances desse comportamento indesejado, é preciso uma abordagem mais ampla — afirmou o psicólogo.
O professor argumenta que as manipulações no futebol profissional podem impactar negativamente jovens em desenvolvimento nas categorias de base e destaca a necessidade de ações voltadas para a formação desses atletas.
— Considero haver uma falta de compreensão social e de empatia estrutural. Muitas vezes, vemos nossos atletas como indivíduos bem remunerados, ignorando que muitos vêm de contextos de vulnerabilidade social e enfrentam pressões psicológicas. Também carecem de suporte emocional e ético durante o processo — completou.
Tanto Demerval Bruzzi quanto José Perdiz concordam que a conscientização em busca de um futebol mais limpo deve começar nas categorias de base. Dessa forma, os atletas terão chances de entender os riscos e as consequências de se envolverem com quadrilhas.
— O futebol deve se proteger contra esses ataques que comprometem sua credibilidade. Todos precisam se envolver em campanhas educativas sobre os riscos dessas ações. O monitoramento deve ser preciso — finalizou José Perdiz.
Relembre o caso de Ygor Catatau
Ygor Catatau foi punido com a eliminação do futebol profissional em 2023. Segundo o Ministério Público de Goiás, ele e outros quatro jogadores do Sampaio Corrêa aceitaram R$ 150 mil para manipular o resultado de uma partida na Série B.
Antes do jogo, os aliciadores entregaram R$ 10 mil aos atletas do Sampaio Corrêa para que cometessem um pênalti no primeiro tempo, que ocorreu no minuto 23 da partida, mas foi desperdiçado pelo Londrina. O acordo previa que os aliciadores pagariam mais R$ 140 mil posteriormente.
A investigação que culminou na saída de Catatau do futebol revelou que ele atuou como intermediador do esquema, envolvendo mais quatro jogadores. Além de Ygor, participaram Allan Godói, André Queixo, Mateusinho e Paulo Sérgio.
Resumo das sentenças:
- Allan Godói – zagueiro – absolvido
- André Queixo – volante – multa de R$ 50 mil
- Mateusinho – lateral – 720 dias, multa de R$ 50 mil
- Paulo Sérgio – zagueiro – 720 dias, multa de R$ 70 mil
- Ygor Catatau – atacante – eliminação, multa de R$ 70 mil
Fonte: ge