Da Colina para o Mundo
Aldir Blanc
Crônica publicada na primeira página do caderno do Jornal
do Brasil comemorativo do Centenário do Vasco, em 21 de agosto
de 1998
O Vasco, no ano do Centenário, anda com a bola tão cheia
que um juiz, tal de Cunha, extrapolou: deslumbrado, queria que o time
voltasse a campo, depois de recolhido ao vestiário. O soprador
não se conformava. Babando no apito, exigia: quero mais Vasco!
O show tem que continuar!
É a consagração. O Gama, a caminho das
Índias, nem imaginava que, entre outras glórias,
emprestaria seu nome venturoso ao time do meu coração.
O Vasco da Gama soube, como nenhum outro clube, honrar a coragem do
Almirante. Representa, em seu pendão, o suor português, a
lágrima do índio, o sangue do negro. A história do
Vasco confunde-se com a história do Brasil quando se trata de
libertar, romper com o passado, quebrar grilhões e
substituí-los pela esperança. Vemos camisas do Vasco no
corpo de bugres conduzindo canoas em igarapés; camisas do Vasco
nos operários de construção; nos sertanejos em
romaria que levam no colo filhos doentes a Bom Jesus da Lapa; vemos
camisas do Vasco, com a bombacha e o chimarrão, na fronteira
do Rio Grande, tchê; Nas celebrações
afro-brasileiras nos terreiros de macumba; entre os paramentos na
sombra das sacristias interioranas; nas praias iluminadas de São
Sebastião do Rio de Janeiro…
O Vasco é vasto porque é o mar que o inspira. Assim,
convivemos, vascainamente, na Utopia e no Carnaval, cavaquinho chorando
fados, entre a música dos nomes de nossos heróis,
cortando as décadas como o Gama cruzou as águas, Poroto,
Itália, Calocero; Feitiço, Kuko, Nena, Luna; Barqueta,
Berascochea, Lelé; o Jajá de Barra Mansa, o
Príncipe Danilo, Ademir “o Queixada” Menezes, o Pernambuquinho
Almir; Barbosa e Ipojucan, Friaça e Maneca, Coronel e Pinga, o
Capitão Belini, Andrada e Buglê, todos os Orlandos
Furiosos, Vavá e Válter Marciano, o clarividente
Tostão, Roberto Dinamite, Romário, o imortal Dener,
Bebeto, Edmundo… Isso, pra falar só em futebol, deixando
injustamente de lado os ídolos do remo, do esporte amador, do
basquete, e os torcedores, famosos ou anônimos: Ramalho – com
o talo de mamão transformado em trompa – e Dona Dulce, pioneira
chefe de torcida; Paulinho da Viola e Martinho da Vila; Tião da
Garagem, Lulu, Ceceu Rico e Paulo Amarelo.
O Vasco é o Expresso da Vitória e a Máquina do
Tempo. Lendas indígenas dizem que as estrelas são olhos
de meninos. No contexto da lenda bororó, é um castigo.
No caso dos vascaínos, trata-se de uma benção,
porque é com os olhos assim, de infância, que vemos o
time entrar em campo, e aqueles onze são todos os que vestiram
com orgulho nossa camisa.
É claro que o Vasco da Gama, de vento em popa, desperta a ira
glacial de dirigentes rivais mal-sucedidos, monótonos ao tentar
vencer-nos e vencer a própria incompetência, varrendo o
lixo pra baixo do Tapetão: o pior cego é o que,
além de não querer ver o próprio rabo, tenta
enfiar o dedo no olho dos outros.
Avante, Vascão, que, igualzinho ao fado, eu beijo as pedras do
chão que pisares no caminho. E por ser o teu caminho o mar, as
estrelas da bandeira, no futuro, serão tantas quantas as
constelações que iluminaram a epopeia do Gama em
direção ao Sonho.
Opa, derrubei o copo. Não faz mal. Em mesa de vascaíno,
se não há vinho derramado, não há alegria.
Aldir Blanc é compositor e vascaíno de coração.