Vasco!
José da Praia
Crônica escrita em 28 de agosto de 1926 e reproduzida na revista
Polyanthéa Vascaína, de 1927. A grafia original foi
mantida na presente reprodução.
Seja nos campos verdes ou nas verdes águas
da linda Guanabara, geradores de uma nova
raça de homens fortes e enérgicos, onde o
Vasco esteja em luta, vencedor ou vencido, ao
fim da peleja o seu nome enche todas as
boccas, em todas as camadas, desde as mais
humildes às mais graduadas!…
Vasco! Vasco!
É que a poderosa aggremiação sportiva
fez-se de tal fórma forte, que as suas lutas
empolgam, emocionam, não só os seus adeptos
e adversários, como toda a cidade.
Ha occasiões em que chegamos quasi a
comprehender a necessidade da sua derrota…
É que é nessa occasião que a grandeza da
pujante aggremiação culmina a alturas inconcebíveis.
É que a altiva e gloriosa bandeira da Cruz
de Christo, sempre victoriosa em mil prélios,
tem o seu Waterloo!
E toda cidade vibra de assombro; e toda
a gente se espanta, os jornaes empregam os
seus maiores typos, na legenda destacada, e os
vendedores gritam a plenos pulmões:
– A derrota do Vasco!
É que derrotar os famosos athletas vascaínos
é mais alguma coisa do que uma victoria.
É um feito!
Vasco da Gama, almirante dos maiores da
antiguidade, desbravador dos mares desconhecidos,
povoados, dizia a lenda, de monstros
terríveis, pavorosos, que ao mando do Gigante
Adamastor impediam a devassa dos seus
mysterios, além do Tormentório, antes do
apparecimento nos seus domínios daquela “gente
ousada mais que quantos”, fechou os olhos aos
monstros, tapou os ouvidos às pragas
Adamastorianas, e velas, emfim, enfunadas ao vento,
peitos cheios de fé e rumando sempre em
frente, deixaram sumir-se na fantasia os monstros,
as pragas e a morte que por lá os esperava,
segundo a lenda…
Eis a legendária figura que dá nome ao valente
grêmio da Cruz de Malta, fundado em
21 de agosto de 1898, por um grupo de rapazes
amantes do sport nautico, e que depois de duas
reuniões, em salões emprestados da Sociedade
Esther de Carvalho e Filhos de Thalma,
tomava por séde uma sala no largo da Imperatriz,
e dava aos seus sócios os seus primeiros
treinos de remo, em barcos de… catraias!
Oh Procellaria! Oh Ibis! Oh Zambeze! Se
vocês falassem, como se ririam hoje!
Vasco!
Mas o nome do glorioso marujo luso como
patrono, é uma coisa à parte nas camadas
populares e até nas camadas onde ha a pretensão
de haver tres dedos de grammatica…
Para a alma ingênua e até às vezes perversa
de alguns, o Vasco é uma força, uma potência,
um poder, que não pode perder, que deve vencer
sempre… ou que é preciso abater…
Não comprehendem uns que o Vasco seja
derrotado; não comprehendem outros que o
Vasco triumphe sempre, porque a sua rota nos
seus 28 annos de existência é um rastro luminoso,
triumphante, sem mácula, na vida sportiva
brasileira.
Por isso é que uma derrota do Vasco em
qualquer dos seus sports, corre, voa, vertiginosamente,
pelos telephones, pelo telegrapho, por
tudo que conduz, mostrando a sua grandeza
incomparavel, porque vencer tal gente é um
feito alto, de gente valorosa!
Saudemos todos, os do sport especialmente,
o valoroso Vasco, cujos 28 anos de existência
são um verdadeiro exemplo.
Começando, como todos começam, modesto,
pequenino, pobre, umas dezenas de socios
riquíssimos… de fé e de vontade, é o que hoje
se vê – um club sportivo que é uma legitima
gloria nacional.
Possuindo hoje cerca de 10.000 socios,
construindo um stadium que será o melhor da
América do Sul e em breve a sua séde nautica
que será outra maravilha a enriquecer a cidade,
o Vasco da Gama merece hoje, pelo
anniversario, a admiração de todos, todos quantos
se dedicam aos sports nacionaes e conhecem
as suas vantagens, patrioticas, na melhoria da
raça.
E lamentemos todos que por esse Brasil a
fóra não se reproduzam muitos e muitos
Vascos, mesmo com as suas… derrotas! Que
empolgam, emocionam, por serem tão raras ao
lado das suas incontestaveis victorias!
José da Praia era o pseudônimo de José Lopes de Freitas,
um dos quatro idealizadores do Vasco, sócio fundador, organizador e
instrutor da primeira escola de remo do clube e, posteriormente, cronista do
Jornal do Commercio.