C. R. Vasco da Gama: Crônica 9

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C. R. Vasco da Gama: Crônica 9

C. R. Vasco da Gama: Crônica 9

Os Grandes Amadores – Adão Antonio Brandão

A trajetória esportiva de Adão Antonio Brandão,
o maior atleta da história do Vasco e autor do primeiro gol oficial

Transcrição (com algumas adaptações) da
reportagem “Os Grandes Amadores”, de Giampaoli Pereira, publicada
em seis partes no Jornal dos Sports, de 12/12/1952 a 19/12/1952

O maior atleta vascaíno de todos os tempos era português

Adao Antonio Brandao

O esporte, como a arte, não tem pátria. As cinco argolas
olímpicas, unindo raças e continentes, definem, muito
bem, a fraternidade dos povos através do esporte. Entretanto,
o atleta, muito embora defendendo as cores desportivas
de um país que o acolhe com generosidade, quando se
destaca por seus feitos no esporte, não deixa de ser uma
glória para a terra que o viu nascer. E como exemplo frisante,
talvez a crônica desportiva de Portugal não saiba, até hoje,
que o maior atleta português de todos os tempos defendeu
as cores e instituições brasileiras nos melhores anos da sua
vida. E só os saudosistas relembram, ainda, com orgulho, as
glórias que aquele atleta lusitano doou ao Brasil, como integrante
de um clube que é, sem favor, um marco na história
do esporte universal, o Club de Regatas Vasco da Gama.

Na cidade de Penafiel, província do Douro, [em 22 de agosto de 1896]
nasceu Adão Antonio Brandão, expressão máxima do
atleta vascaíno e uma das mais impressionantes figuras do amadorismo, pela
dedicação ao clube e variedade de desportos que praticou. E
ao lerem essa crônica as novas gerações perguntarão: “Quem
é esse Adão Antonio Brandão?” E a velha guarda vascaína
responderá, orgulhosa: “É um símbolo, uma relíquia, um
exemplo de desportista, tipo padrão do atleta cruzmaltino”.

Em 1910, no Colégio São Carlos, no Porto, estudava um garoto
ruivo, testa larga, um pequeno sinal no queixo. O garoto
era vivo, inteligente, e tinha uma predileção especial pelo
futebol. Entre os companheiros era um “bamba”, respeitado
e procurado por todos os capitães de times. Esse garoto era
Adão Antonio Brandão.

Um dia, durante um jogo no colégio, um diretor do Futebol
Clube do Porto viu o garoto atuando e ficou impressionado:
“Quem é aquele catraia”? O termo era o usado na
época. E o interpelado respondeu, sorrindo: “É o Brandãozinho,
o maior jogador da nossa equipe de miúdos”, outro
termo português. O dirigente do Futebol Clube do Porto se
interessou pelo garoto e começou a prestar mais atenção.
Quando terminou o jogo, Brandãozinho foi chamado: “Você
gostaria de jogar num time de verdade?” O garoto, desembaraçado,
mal pode responder, tamanha foi a sua emoção. O
outro compreendeu e passou-lhe a mão pela cabeça dizendo:
“Pois você vai ter uma oportunidade”. Dias depois, Brandãozinho
ingressava na equipe juvenil do Futebol Clube do Porto,
onde jogou, como titular, até 1911.

Mas o tempo corria e os preparatórios chegavam ao fim.
Uma vez terminados, Brandãozinho tinha que abandonar o
Colégio São Carlos, no Porto, e tomar outro rumo. Entretanto,
apesar de pertencer a uma família de recursos, o garoto
tinha personalidade, e decidiu tentar a vida por sua conta
e risco. E como na época o Brasil era conhecido como uma
Terra da Promissão, Brandãozinho decidiu embarcar para o
Brasil. Contrariando a vontade da família, que acabou por
se conformar, o garoto arrumou as malas. Numa tarde
triste e escura do mês de outubro de 1912, o jovem Brandão,
com lágrimas no olhos, deixava a pátria em busca do
Eldorado dos seus sonhos de criança.

Nesse mesmo ano e mês chegou ao Rio de Janeiro, onde
foi recebido pelos parentes que aqui se encontravam, os proprietários da
Fábrica Adão, de calçados. E ouviu, a título
de boas vindas, a primeira advertência: “Rapaz, isto aqui é
uma terra de trabalho. Aquela vida folgada, que levavas no
Porto, acabou-se. Agora, é trabalhar e tocar pra frente. Futebol
e outras besteiras é para gente que não pensa na vida
e muito menos no futuro, para gente desocupada, e nós aqui
não queremos isso”. Não havia como responder, e Brandão
se limitou a ouvir, resignado, os conselhos dos parentes, mais
velhos e experimentados.

Empregado na fábrica, seguindo à risca os conselhos recebidos,
Brandão só se preocupava com o trabalho. Nas horas
de folga dos operários tinha que ouvir, com inveja, os companheiros
conversando sobre futebol. Mas ouvia e silenciava.
E tantas vezes ouviu, tanta coisa escutou que um dia não
resistiu mais e desabafou. Entrou na conversa como um entendido
que era e fez a revelação que o sufocava: “Já joguei
muito futebol. Fui um “bamba” nos juvenis do Futebol
Clube do Porto”. Um operário levantou-se e disse: “Isso é
verdade, rapaz?” “E por que iria eu mentir?” “Pois então vais
jogar no meu clube, o Real Grandeza. E só quero ver o que
tu sabes fazer com uma bola”.

E no primeiro treino, Adão Brandão comeu a bola, deixando os
espectadores admirados. Começava a despontar no Brasil um atleta que daria ao
Vasco as maiores glórias que qualquer outro atleta já deu ao
grêmio da Cruz de Malta.

Uma seleção portuguesa no Rio

Centro Portugues de Desportos, 1914

O Real Grandeza Football Clube (sic) tinha um campo aberto na rua Toneleiros,
ou, para ser mais exato, nas proximidades da rua Toneleiros,
em Copacabana. E naquela ocasião o Real Grandeza era um autêntico
celeiro de craques. Assim é que, depois do treino, logo no primeiro
domingo, lá estava o Adão envergando a camiseta do, segundo eles
diziam na época, glorioso esquadrão do Real Grandeza. Entretanto,
como barrar um elemento das posições centrais era inconveniente,
e Brandãozinho se revelara um excelente jogador, o diretor do clube
não teve dúvidas. Escalou o Adão na ponta direita do primeiro
quadro. E a sua atuação foi tão boa que não mais cedeu
o posto a ninguém.

Acontece, porém, um imprevisto. O Botafogo, no ano de 1913, convidou
um clube português para jogar no Rio de Janeiro, e aconteceu
de vir justamente a seleção de Portugal, ou melhor, a seleção
lisboeta, da qual faziam parte grandes astros do futebol português, entre os
quais, Eduardo Luiz Pinto Bastos, Paiva Simões, irmãos Stromp, Cosme
Damião, Artur José Pereira, Manuel Vieira e outros. O acontecimento
teve tão grande repercussão que revolucionou o futebol metropolitano.
E os elementos da colônia portuguesa que, até então, se
dedicavam exclusivamente ao remo, ficaram sem saber o que fazer. É
que o futebol, na opinião dos lusitanos, era esporte para desocupados.
O remo sim, era praticado por rapazes decentes, de boa família. Era tradicional.

Entretanto, se vinham no selecionado português jogadores de fama
internacional, e nomes conhecidos e respeitados em Lisboa, que mal
havia que os portugueses do Brasil praticassem também, por sua vez,
o futebol? E depois de pouca discussão, porque o desejo de praticar
o novo esporte – para eles – era muito grande, os portugueses
decidiram aderir. Voltavam suas atenções para o futebol e trataram
de fundar clubes. Vários deles nasceram nessa ocasião, entre os quais,
o Lusitano Sport Club, o Centro Português de Desportos, o Lusitania Sport Club,
o Lusitano C. F., o Lisboa e Rio F. C., Cruz de Malta F. C., e outros. Mas desde
logo, os dois mais fortes foram o Lusitania Sport Club e o Centro
Português de Desportos.

Brandão não perdeu a oportunidade e se filiou ao Centro Português
de Desportos. Acontece que havia jogos entre todos os clubes,
mas os dois maiores, isto é, o Lusitania S. C. e o Centro Português
de Desportos, não se enfrentavam nunca. Não havia meio de se encontrarem,
porque um temia o outro. Um dia, porém, depois de muitos recuos, ficou
afinal decidido que os dois grêmios se encontrassem e o jogo teria
que ser realizado no campo do Lusitania, que ficava situado nos
terrenos do Turfe Clube, em Mangueira, nas proximidades do atual
Estádio do Maracanã. Com uma assistência que, na época, superlotou
o campo, foi realizado o jogo. Naquele tempo ainda vigorava o fator
campo, hoje inteiramente desmoralizado, e a vantagem, portanto, era
para o Lusitania.

Efetivamente o Lusitania venceu o encontro, mas houve o diabo
no fim do jogo. Pancadaria grossa que não acabava mais. Mas Brandão
foi o melhor elemento do Centro Português, o que levou o
Lusitania a convidá-lo para ingressar em suas fileiras. E oito dias depois
estava efetivada a transferência. E realmente o Lusitania era
um grêmio de seleção, onde despontavam
nomes de respeito como Fróes da Cruz, Cândido Sotto Maior,
Raul Ferreira, o desenhista Mora, que havia sido arqueiro do Benfica
de Lisboa, Adriano Teles, um filho do Conde de Bornay e outros
elementos que hoje formam na linha de frente do Vasco da Gama e
do Ginástico Português. Era a preparação
do atleta perfeito para o clube perfeito, era o início da caminhada
que o levaria ao Vasco, o clube a que ele daria as maiores
glórias da sua carreira gloriosa.

Estamos em pleno 1915. O Lusitania, fundado em 1913, contava com
dois anos de vida, apenas, mas dois anos onde os triunfos não haviam
sido poucos. E no seu acervo de vitórias contava com duas contra o
Paissandu, campeão carioca de 1912, e vários triunfos sobre outros grêmios
categorizados. Adão já era figura conhecida e prestigiada. E
brilhava em todos os jogos, jogando ora nas meias, ora no centro, ou na
ponta direita, ou entao de médio direito ou esquerdo. Era um autêntico
homem dos sete instrumentos, e onde fosse necessário o seu
concurso, lá estava ele, ativo, entusiasmado, eficiente como poucos.

E justamente por contar com elementos categorizados e encontrar
dificuldades em conseguir jogos com os grandes clubes, a diretoria do
Lusitania resolveu pedir filiação à
Liga Metropolitana de Desportos Terrestres. Esta, por sua vez, pediu a
reforma do estatuto, uma vez que os mesmos não estavam de acordo
com as suas leis. Realizou-se, então, uma assembléia geral na sede do
Ginástico Português para tratar do assunto.

Elementos influentes propuseram a fusão do Lusitania com o Clube
Ginástico Português, ou com o Club de Regatas Vasco da Gama. A
proposta foi aprovada, mas o Ginástico não aceitou a fusão, alegando
não desejar o futebol em suas hostes. Restava o Vasco, e feita a
proposta ao grêmio cruzmaltino, na
ocasião já um grande clube náutico,
a diretoria ficou de estudar o assunto. E o assunto era dos mais difíceis,
uma vez que um sócio do clube – hoje grande homem público –
havia sido eliminado pelo “crime” de propor a criação de uma
seção de futebol. Essa era a mentalidade da época, mas os destinos
do Vasco da Gama como clube de futebol já estavam traçados, e um
futuro repleto de glórias lhe estava reservado havia muito.

Depois do primeiro jogo oficial, o time do Vasco recebeu uma chuva de laranjas

Carteira de Adao Antonio Brandao na LMDT como jogador do Vasco

Enquanto os diretores do Vasco estudavam a proposta com uma
certa reserva, o Lusitania esperava, intranquilo, numa expectativa
das maiores. Acontece que o Vasco da Gama era um clube náutico,
e dos maiores, já naquela época. E os remadores, rapazes idealistas,
não olhavam com bons olhos a intromissão do futebol no
seio do clube. Na verdade, vários clubes náuticos disputavam, já,
o futebol, entre eles o Flamengo, o Icaraí, o Gragoatá, o Boqueirão
do Passeio, o Guanabara e o E. C. Brasil. E esse fato era um argumento
muito sério, muito convincente contra os que se opunham
à fusão com o Lusitania. Por outro lado, os adeptos do remo alegavam
que o futebol não era esporte, era jogo de desocupados. E
as discussões se estenderam, alargaram-se, tomaram conta da cidade.
Não era só no clube que se discutia o assunto. A
cidade inteira estava interessada, porque se o Vasco já era grande
no remo, poderia, sem favor, vir a ser também grande no futebol.

Afinal, em novembro de 1915, depois de exaustivos trabalhos e
muitas discussões na assembléia geral, o futebol foi introduzido no
Vasco, como uma espécie de departamento autônomo, para que
não houvesse mistura com o remo. Tratou
então o Vasco de pedir filiação à Liga Metropolitana de
Desportos Terrestres, e em maio de 1916, finalmente, o grêmio da Cruz de
Malta jogava a sua primeira partida oficial de futebol, no campo do Botafogo,
contra o Paladino. Esse jogo ficou na história do clube,
não só por ser o primeiro encontro disputado como, também,
pelo que aconteceu com os jogadores depois da partida. Convém
acrescentar que o pessoal do remo nem foi ao jogo. Partiram os jogadores
com os membros que compunham a diretoria do novo esporte e entraram em campo com
grande responsabilidade. Entre os jogadores, Adão Brandão era o
mais animado e o mais tranquilo.

Entretanto, o Paladino estava num dia de rara felicidade, e tudo
que os jogadores faziam dava certo. Na verdade o quadro paladino
era bem melhor, mas o escore foi demasiadamente elevado.
O Vasco perdeu sua primeira partida oficial de futebol pelo escore
alarmante de dez tentos a um, e o autor do único tento vascaíno
foi justamente Adão que, dessa maneira, marcou o primeiro
gol do futebol cruzmaltino, esse futebol que hoje empolga dezenas
de milhares de associados. Entretanto isso acontece hoje, que o
Vasco já se consagrou como um dos maiores clubes do mundo. Naquela
época, porém, a coisa foi um pouco diferente. E os jogadores,
que haviam disputado e perdido a partida, bem como os
membros da diretoria que os haviam acompanhado, esses sabiam
o que os esperava quando voltassem ao clube.

A sede do Vasco era na rua Santa Luzia 248, quase na esquina da
Av. Rio Branco, junto ao atual Clube Militar. E o time, ao voltar
do campo do Botafogo, tinha que ir à sede do clube. O bonde –
naquela época não havia caminhonetes para jogadores de
futebol – os deixava na porta do clube, mas ninguém pensou em ir
até lá. Resolveram saltar antes, uns cem metros, para ver o
ambiente, porque a notícia já havia chegado ao conhecimento
dos remadores. Então a Comissão de
Futebol tomou a decisão. Raul Ferreira era o representante na Liga,
Narciso Basto – hoje industrial em Petrópolis – Álvaro
Nascimento, hoje o famoso Zé de São Januário, mas naquela
época simplesmente o Cascadura, e Fonsequinha compunham a Comissão
de Futebol. E como membros da comissão, resolveram saltar antes
e fazer o resto do trajeto a pé. Queriam ver o ambiente, antes de entrar.

E estranharam o silêncio, a quietude em que se encontrava a
rua. Entretanto, quando chegaram a poucos passos da sede e
perceberam o que estava preparado, já era muito tarde para
voltar. Uma onda de laranjas chupadas, laranjas podres, cascas de laranjas
voaram em cima dos jogadores e da comissão. Uma
verdadeira batalha se formou na porta do clube e a amargura dos
jogadores era grande, muito maior que a amargura causada pela
derrota contra o Paladino. Alguns que hoje são altos paredros
foram os causadores da recepção amarga por parte dos remadores.
Eles instigaram a rebelião do remo contra o futebol e
o ódio era tão grande que uns e outros quase não se falavam. E
esse ódio só terminou em 1917, quando o Vasco se reabilitou
definitivamente aos olhos dos remadores, vencendo, em partida magnífica,
um dos maiores adversários do Vasco em todos os esportes.
Foi no campo do América, e o adversário do Vasco era o
Boqueirão do Passeio.

Nessa tarde o Vasco venceu o Boqueirão pelo escore de três a
zero e os jogadores de futebol tiveram a maior surpresa de toda
a sua vida, quando chegaram no clube. A Comissão de Futebol,
com Cascadura, Narciso Basto, Fonsequinha e Pascoal Pontes estava
desconfiada, mas a alegria dos jogadores era tamanha que
eles resolveram entrar no clube dando vivas ao Vasco. Mas nem
chegaram a entrar. Os remadores, na porta, de remo em punho, os
obrigaram a entrar em carros abertos – e só então eles
repararam nos carros – e foram fazer uma passeata pela cidade, irmanados,
craques de futebol e remadores. E que fora vencido um
grande adversário do Vasco, foi o pretexto. Entretanto a verdade
era muito outra. O Vasco da Gama começava a se encontrar a si
mesmo, começava a adquirir a consciência de que estava
destinado a ser um grande clube, no mundo inteiro. E os jogadores de
futebol, que eram autênticos amadores e compravam o seu próprio
material, receberam um presente régio. Receberam, por oferecimento
da firma Sotto Mayor & Cia., um magnífico jogo de camisas,
iniciativa de Cândido Sotto Mayor, Raul Ferreira, Nunes
da Silva e outros elementos do então extinto Lusitania. Era o
primeiro grande passo do Vasco da Gama como potência no futebol,
depois de longos e amargurados dias.

Num programa de rádio, Adão conta sobre o primeiro gol da história do Vasco

A glória do Vasco vem do tempo em que se jogava em campos abertos

Vasco, 1921

Quem não conhece a história do Vasco precisa conhecê-la, e
então compreenderá o justo orgulho dos cruzmaltinos em pertencer
a clube tão grande, tão brioso e tão nobre. É que o Vasco da
Gama foi, entre todos, o único clube de futebol que começou de
baixo, do princípio, por onde todos deviam começar. Pertenceu à
terceira divisão, à segunda, à série
B da primeira divisão e, posteriormente, à série A. E de
1916 a 1921, Adão Antonio Brandão participou de todas as equipes do
Vasco, crescendo com o clube, fazendo-se grande com ele. E convém
acrescentar que naquela época não havia conforto para os
jogadores. Pelo contrário, tudo era pago por eles que, inclusive, jogavam
em campo aberto, sem técnicos, sem médicos, sem massagistas,
sem coisa alguma. Eram verdadeiros abnegados, que faziam o
esporte apenas por esporte. Pois foram esses abnegados que levaram
o Vasco da Gama à primeira divisão e à glória que ele hoje
ostenta em todo o mundo.

Em 1922, já encaminhado na vida, Brandãozinho resolveu passear em
Portugal. Naquela época já era um jogador famoso. E os que o
viam na rua apontavam, dizendo, à meia voz: “Aquele é o Adão,
do Vasco da Gama”. E quando chegou em Portugal sua fama o
antecedera. Lá, então, diziam, orgulhosos: “Pois não conheces o
Brandão? É um famoso jogador do Vasco da Gama, do Rio de Janeiro”.
O outro então queria ver o Brandãozinho mais de perto, apalpá-lo,
apertar-lhe a mão. E, envaidecido, repetia, como um eco:
“E é português, o homem”. Afinal, instado por amigos, Brandãozinho
resolveu aceitar o convite do Boavista, grêmio da primeira
divisão da cidade do Porto. E a satisfação dos torcedores foi tal
que, no jogo de estreia, o campo ficou lotado completamente. Todos
queriam ver o patrício que vinha brilhando num dos maiores
clubes do Brasil. O nome de Adão cresceu, equiparou-se ao do Vasco,
e daí ninguém querer faltar ao grande acontecimento.

E os que foram ao campo não se decepcionaram. Brandão foi
uma grande figura, senão a maior. E foi tão espetacular sua atuação
que o escolheram, imediatamente, para fazer parte do selecionado
do Porto que enfrentaria, dentro de breves dias, a seleção de Lisboa.
O embate visava escolher os melhores elementos para a seleção
nacional que seria formada para enfrentar a Espanha, em partida internacional e Adão
alcançou o posto de reserva da seleção nacional portuguesa. Antes,
já havia jogado duas vezes – ambas internacionais – pelo selecionado
do Porto.

Brandão ficou pouco tempo em Portugal, mas
no pouco tempo em que lá permaneceu, conseguiu fazer de cada
torcedor um amigo e de cada amigo um admirador das suas
excepcionais qualidades técnicas e morais. Por isso, quando Brandão
anunciou o seu propósito de retornar, o movimento para que
ele ficasse foi grande. Mas quem aqui já esteve, aqui terá de voltar.
E Adão não resistiu às saudades
da sua segunda pátria, não resistiu às saudades do Rio de Janeiro,
e voltou, pesaroso como todo aquele que parte, mas feliz como todo aquele que volta.

E em 1923, quando chegou ao Rio, já encontrou o Vasco na primeira
divisão, agora sob a direção do grande Ramon Platero. Como bom
vascaíno, Brandão se apresentou a Ramon Platero e se confessou à
sua inteira disposição. Platero, conhecedor das grandes qualidades
do jogador, pediu-lhe a colaboração,
até que vencesse a inscrição do médio Nicolino. Nicolino
viera do Andaraí, era um preto vistoso, imponente, e um grande jogador. E tinha
consciência da sua grandeza, do seu destaque como jogador. Tanto que
depois que entrou para o Vasco começou a usar “smoking”, gravata
borboleta, camisa engomada e sapatos de verniz. E aos que
lhe perguntavam porque assim se vestia, só tinha uma resposta: “Um
jogador como eu, que pertence ao Vasco da Gama, só pode andar
vestido a rigor”. E ninguém conseguia que Nicolino mudasse de
vestimenta. Pois era o lugar de Nicolino que Adão estava ocupando,
até que o médio cumprisse a lei do estágio.

Brandão aceitou e resolveu atender o pedido de Platero. E
desde o primeiro dia, passou a pernoitar no Vasco, nas dependências
da rua Morais e Silva, e a treinar das cinco às seis e vinte da manhã,
porque às sete horas Adão tinha que estar no emprego. No dia
22 de abril de 1923 o Vasco enfrentou o Botafogo, então já num
jogo que atraiu uma grande multidão ao campo. Em partida
memorável, o Vasco venceu o adversário pela contagem de três
tentos a um. Pouco depois, vencia o prazo de estágio e Nicolino
ocupava o lugar de Brandão. E como bom vascaíno, sempre
desejoso de trabalhar pelo clube, passou a integrar o quadro secundário
do Vasco, sagrando-se, nesse mesmo ano, vice-campeão carioca.

Então Brandão achou que já jogara muito futebol. Era
tempo de se dedicar a outros esportes. E com a idade de vinte e
sete anos, deu por encerrada a sua carreira como jogador. Perdia o
Vasco um grande craque, mas, em compensação, ganhava um atleta
de primeira água, um homem com um coração de ferro.

Quem quisesse sentar nos carrinhos da “Ibis” tinha que assumir um compromisso de vitória

Guarnicao do Pereira Passos, 1921

Afinal, depois que o remo aderiu, os remadores passaram até a
jogar futebol. E acompanhemos os passos de Adão Antonio Brandão,
o atleta eclético. Adão praticou vários
esportes, entre os quais, além do futebol, o remo, o atletismo, a
natação, water-polo, tênis de mesa e tiro ao alvo. E em 1922,
graças aos seus esforços na defesa do
pavilhão cruzmaltino, o Conselho Deliberativo do Vasco concedeu-lhe
o título de Sócio Benemérito.

E não era para menos, tratando-se de um atleta que conquistou sessenta e
cinco troféus para o clube. O maior atleta vascaíno de todos os tempos
conquistou os campeonatos de remo de 1919 e 21. Venceu as provas
clássicas Julio Furtado e Jardim Botânico. Tripulando o iole franche a
dois remos, a legendária “Ibis”, e tendo como companheiro Zepelim, hoje
grande industrial, manteve a invencibilidade desse tipo de barco
no Rio de Janeiro e São Paulo, durante as temporadas de 1921 e 22.

E por falar na “Ibis”, na grande e imortal “Ibis”, não poderíamos
esquecer a vitória que Adão Brandão
alcançou numa regata nesse mesmo barco de gloriosas tradições.
Adão era remador de bombordo. Em 1920, o grande remador Joaquim
Carneiro Dias adoeceu, e justamente às vésperas da disputa
do campeonato carioca. Só havia um jeito, era pedir a Adão
que sustituísse o grande remador, uma vez que ninguém queria
assumir a responsabilidade de substituir Carneiro Dias. Adão
sabia disso, sabia que ninguém se atreveria porque Carneiro Dias
era um braço, um remador como muito poucos. Mesmo assim,
pediram a Adão Brandão que, sem titubear, aceitou. A
maioria ficou receosa, muito embora não dissesse nada. Sabiam
que Adão era um grande atleta, mas Adão era bombordo e
Carneiro Dias era boreste. Por isso olhavam a escolha com certa
reserva. Poucos, muito poucos, se mostravam confiantes.

Adão entrou no barco e foram para a raia. O voga da guarnição era
Julio da Mota e Silva, o grande Caboclo, remador respeitado e querido.
O primeiro centro era o célebre Claudionor Provenzano. O segundo centro era
justamente Adão Antonio Brandão, substituindo Carneiro Dias, que
tinha adoecido e que corria remando a boreste. Pois mesmo assim,
deslocado, estranho na guarnição e sem o conjunto necessário, Adão
não fez feio e a guarnição levantou o campeonato. Quando o barco
encostou, Adão mal teve tempo de receber os abraços dos vascaínos
emocionados, porque o páreo seguinte ia ser corrido e Adão estava
inscrito na “Ibis”. Como simplicidade, com modéstia, quase com timidez,
Adão recebeu as manifestações de simpatia e voltou para a
raia, dessa vez na “Ibis”.

E muito embora tivesse acabado de remar a boreste, disputando uma
prova dura e dificil como uma prova de campeonato, Adão disputou a
prova seguinte na sua verdadeira posição, isto é, a bombordo. E
novamente o páreo foi vencido pelo Vasco, com galhardia, sem apelação.
O presidente do Vasco, Sr. Francisco Marques da Silva, hoje
doente, em Portugal, não se conteve. Mandou buscar uma caixa de
champagne. E lhe disse, ao mesmo tempo: “Sr. Adão Antonio
Brandão, o Vasco se orgulha de ser um grande clube e de saber reconhecer
o valor dos seus atletas. Receba esse banho como uma homenagem do Vasco a uma das suas
glórias”. Já naquela época, o Vasco tinha consciência da sua
grandeza e acabava, naquele instante, de premiar um atleta que havia escrito,
na história do Vasco da Gama, uma das suas páginas mais brilhantes.

Grande em todos os esportes

Passeata do Vasco, 1920

Entretanto, Adão nascera para vencer em todos os esportes. E
como, depois de ter conquistado grandes glórias no futebol,
resolvera se dedicar ao remo, decidiu, depois de muitas glórias no
remo, dedicar-se a outros esportes. Na verdade ele os praticava
simultaneamente, mas só se interessava verdadeiramente por
um esporte quando já havia conhecido glórias em outro. E como
o Vasco, naquela época, se iniciava no atletismo, Adão Brandão
achou que era a sua oportunidade para, mais uma vez,
servir ao clube do seu coração. O Vasco podia precisar dele, e
era bom que estivesse pronto, em forma, para ser útil a qualquer
momento. E o momento oportuno chegou. Adão Brandão resolveu
disputar as provas de cem e duzentos metros rasos. Mas também
naquela época já existiam no atletismo os grandes astros, e
os grandes astros do momento eram Osvaldo Gomes, do Fluminense, e Ulisses Malaguti, do
Flamengo.

Adão Brandão contentava-se com o terceiro lugar. Em 1922, pensar em
derrotar Malaguti era um absurdo, de vez que o atleta rubro-negro era
absoluto nas provas de cem e duzentos metros rasos. Tanto que se
sagrara campeão sul-americano de 1922, fato que alcançou a maior
repercussão. Mas Adão, que já triunfara
em outros esportes, achava que não seria impossível conquistar
grandes glórias também no atletismo. E tratou de se preparar.
Para os que o viam treinar, Adão só
tinha uma explicação. “Vou vencer o Malaguti, ainda”. Os que ouviam
achavam graça. Não porque não julgassem
o atleta vascaíno capaz da façanha, mas porque conheciam Malaguti
e a sua classe indiscutível. E diante dos sorrisos incrédulos,
Adão se limitava a repetir o aviso: “Um dia hei de vencer o Malaguti”.

Finalmente a oportunidade chegou. Uma tarde, no campo do Botafogo, perante
regular assistência, Adão bateu Malaguti, o campeão
sul-americano. Então os que haviam rido na véspera foram os
primeiros a cumprimentá-lo. E dessa vez quem sorria era Adão, um sorriso
superior, de vitória, de satisfação.
E quando lhe perguntavam como havia sido possível tão grande
vitória, o atleta vascaíno respondia, apenas: “Venci pelo Vasco, e pelo
Vasco não há nada que eu não possa fazer”. Em 1923, melhor preparada,
a equipe vascaína venceu o revezamento 4×200, promovido pela
Federação Brasileira das Sociedades de Remo, e do qual participaram,
além do Vasco, o Fluminense, o Flamengo e o São Cristóvão,
naquela ocasião um grande clube. A equipe vascaína era formada por
Pederneiras, grande extrema direita da época, Leão, outro famoso
extrema direita também, Batista, médio do Vasco, e Adão.

Mas Adão não parou aí. Foi, também, um dos maiores jogadores
de tênis de mesa da sua época. Naquele tempo, não havia campeonatos
de tênis de mesa, campeonatos oficiais. Apesar disso,
Adão Brandão ganhou quatro campeonatos internos e vários
torneios inter-clubes. Além disso, fez parte de todas as equipes
de natação e water-polo do Vasco, durante as temporadas de
1919 a 1921. E sempre se distinguiu em todas as provas. Lá estão,
no Vasco, os seus sessenta e cinco troféus.

E os novos de hoje, quando, ao se iniciarem no esporte, desejarem saber alguma
coisa do clube que vão defender, devem, primeiramente, saber tudo
dos homens que ajudaram a erguer tão alto o nome do Vasco.
Porque todos eles, por muito pouco que tivessem feito, fizeram
muito. Fizeram o Vasco de hoje, o Vasco da Gama que o mundo
todo conhece e admira. Aos velhos vascaínos, essa glória. Aos novos,
o dever de conservar o que os outros levantaram. E glória, sobretudo,
a Adão Antonio Brandão, o maior atleta cruzmaltino de todos os tempos.

A divulgação dessa reportagem é dedicada à família e
descendentes de Adão Antonio Brandão, especialmente sua esposa, Rosa
Portella Brandão (in memoriam), suas filhas, Yolanda (in memoriam) e Regina,
e sua neta Ana Beatriz Campos Nogueira. A elas, meus agradecimentos pelos
envios de muitas imagens, artigos e gravações.