C. R. Vasco da Gama: Crônicas

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C. R. Vasco da Gama: Crônicas

Recordar é Viver: A Letra Acabou com Você

Mauro Prais

Estádio das Laranjeiras, dia 2 de agosto de 1942. Pela oitava rodada do
segundo turno do campeonato carioca, o Fluminense recebe o Madureira. O
tricolor das Laranjeiras é o bicampeão carioca e está
na luta pelo tri. O tricolor suburbano nessa altura já não tem
qualquer aspiração ao título, mas o seu time está
longe de ser fraco: no ataque, destaca-se o trio Lelé, Isaías
e Jair, conhecido como os Três Patetas, pois o seu futebol
talentoso e criativo chegava a arrancar risos da torcida.

Particularmente nesta partida, os Três Patetas estavam de
amargar. Sem respeitar o prestígio e a tradição do adversário,
o Madureira sapecou um humilhante 4 x 1, bem ali, em plena Laranjeiras, na cara
da torcida tricolor. Um dos gols que mais deu o que falar no futebol carioca
em todos os tempos foi marcado ali pelo centroavante Isaías, do Madureira.

O leitor deve estar se perguntando o que faz uma crônica sobre uma derrota
longínqua do Fluminense para o Madureira num site sobre o Vasco.
Realmente, até domingo, 23 de março de 2003, não
havia nenhum motivo para isso. Qual seria então a súbita
ligação entre o título conquistado ontem pelo Vasco
sobre o Fluminense e a goleada do Madureira sobre o mesmo clube, quase 61 anos
antes?

Resposta: dois gols, separados no tempo, mas unidos pelo destino.

Gol de letra de Isaias, Fluminense 1x4 Madureira, Laranjeiras, 2/8/1942.

Se uma única jogada tivesse que ser escolhida como o símbolo
do título conquistado no domingo, seria aquela do segundo gol, o da
vitória, o gol do título. Afirmo com razoável certeza
que o Maracanã, por onde durante 53 anos passaram os maiores craques
do mundo, jamais havia testemunhado um gol saído de um cruzamento de
letra como o que Léo Lima executou. O cruzamento alto foi encontrar a
cabeça de Cadu; dali, para o pé de Souza; dali, finalmente, para
o fundo da rede. Da concepção à conclusão, toda a
jogada foi uma pintura digna de ser colocada em moldura de luxo. Mas o que
mais deu e vai continuar dando o que falar por muito tempo, foi a letra genial
de Léo Lima, a exemplo do gol de letra que o seu bisavô Isaías
marcou em plena Laranjeiras mais de 60 anos antes, contra exatamente o mesmo
adversário.

Por causa do gol de letra, a torcida do Fluminense não queria deixar
Isaías sair vivo das Laranjeiras. Foi jurado de morte. Ou pelo menos
assim reza a lenda. Por causa da letra, Renato Gaúcho ameaçou
Léo Lima de agressão. Sem saber, o técnico vice-campeão
estava revivendo um trauma tricolor histórico.

Já para o torcedor vascaíno que teve a felicidade de assistir
à obra de arte criada pela genialidade hereditária do craque
Leonardo Lima da Silva, bisneto do também craque Isaías Benedito
da Silva, o campeonato poderia ter terminado ali mesmo, com o título
coroado pelo gol antológico, enquanto que o talentoso camisa 10
cruzmaltino, instantâneamente transformado em estátua de
mármore, teria que ser rebocado a guincho do gramado do Maracanã
diretamente para o saguão de entrada de São Januário,
onde seria colocado ao lado do busto do Almirante, as pernas eternamente
entrelaçadas.

Epílogo: Logo após
o encerramento do campeonato carioca de 1942, o Vasco levaria de uma só
tacada todos os Três Patetas de Conselheiro Galvão para
São Januário. Com eles, ganhou o campeonato de 1945, invicto.
Léo Lima e Souza, crias do mesmo Madureira, transferiram-se para o
Vasco ainda como juniores, e juntamente com Cadu, também promovido das
divisões de base vascaínas, formaram o trio que criou o gol
inesquecível de 2003.

© 2003, Mauro Prais. Direitos reservados. Reprodução
permitida sob autorização expressa.