História
1898-1923
A fundação do clube
Na virada do século XIX, o remo era o esporte soberano no Rio de Janeiro, a
capital da república. No dia 21 de agosto de 1898, um grupo de 62 rapazes,
na sua maioria, imigrantes portugueses, reunido numa sala da Sociedade
Dramática Filhos de Talma, no bairro da Saúde, decidiu fundar uma associação
dedicada à prática do remo. A ata de fundação começa com as seguintes
palavras históricas:
“Aos 21 dias do mês de agosto de 1898, às 2:30 horas da tarde, reunidos na sala
do prédio da Rua da Saúde número 293 os senhores constantes do livro de presenças,
assumiu a presidência o Sr. Gaspar de Castro e depois de convidar para ocuparem
as cadeiras de secretários os senhores Virgílio Carvalho do Amaral como primeiro e
Henrique Ferreira como segundo, declarou que a presente reunião tinha o fito de
fundar-se nesta Capital da República dos Estados Unidos do Brasil, uma associação
com o título de Club de Regatas Vasco da Gama (…)”
A ata de fundação prossegue relatando o procedimento adotado para eleger a
primeira diretoria do clube.
Terminada a apuração, foi eleito para presidente o
comerciante Francisco Gonçalves do Couto Junior, com 41 votos. A sessão terminou
às 3:45 da tarde.
Dois meses mais tarde, em 24 de outubro, foi enviado o pedido de filiação à
União Fluminense de Regatas.
A escolha do nome, pavilhão e emblema
Inspirados pelas celebrações do quarto centenário da descoberta do caminho
marítimo para as Índias, os fundadores da nova agremiação lhe deram o nome de
Club de Regatas Vasco da Gama, para cujo pavilhão foi escolhido o fundo preto,
representando os mares ignotos do Oriente; atravessado por uma faixa branca,
inicialmente horizontal, mas logo mudada para diagonal, representando a rota
desbravada pelo almirante português; com uma Cruz de Malta no centro, símbolo
ostentado pelas caravelas portuguesas da época dos “descobrimentos”.
Em 1903, foi adotado um emblema circular que exibia uma caravela com a Cruz de
Malta e, em 1922, foi criado o escudo atual, onde a caravela aparece no
centro do fundo negro cortado pela diagonal branca, com as iniciais CR e VG
entrelaçadas, respectivamente, acima e abaixo da faixa diagonal.
O primeiro uniforme usado pelos remadores vascaínos já tinha a faixa diagonal,
porém na direção oposta á faixa do uniforme dos dias de hoje. A Cruz de Malta
ficava no centro, e não no lado esquerdo do peito, conforme mostra esta
ilustração publicada no Jornal do Brasil de 20 de maio de 1902.
O simbolismo da Cruz de Malta
A guisa de curiosidade, vale mencionar o duplo erro de interpretação que foi
cometido na adoção da Cruz de Malta como símbolo do Vasco: o primeiro,
heráldico; o segundo, histórico. Segundo os manuais de heráldica, a cruz
escolhida para o emblema do Vasco é na realidade chamada de Cruz Patée,
ou Pátea, segundo algumas traduções. A Cruz de Malta possui um formato
diferente, no qual cada um dos quatro braços da cruz é bifurcado. Mas o fato
é que o Estatuto do Clube sempre utilizou esta designação para o símbolo que
representa o Vasco. Por outro lado, nem uma nem outra cruz nada tem a ver com
Portugal e sua história, e muito menos com o navegador Vasco da Gama. A cruz
que as suas naus portavam, assim como todas as caravelas portuguesas, era na
realidade a Cruz de Cristo, instituída pelo Rei D. Diniz no século XIV, e que
era outorgada aos navegadores lusos em reconhecimento aos seus feitos no
além-mar.
A primeira sede
A primeira sede do Vasco ficava num barracão na Ilha das Moças (já
desaparecida, aterrada para a construção do atual Cais do Porto).
Um ano depois da sua fundação, o clube quase acabou quando, devido a uma
polêmica em torno de uma possível transferência da sede para a Praia de
Botafogo, o seu primeiro presidente, Francisco Gonçalves do Couto Junior,
renunciou e fundou o C.R. Guanabara, levando consigo a diretoria e
todo o material que lhes pertencia, incluindo barcos e os uniformes,
e deixando o clube na penúria. Mas o Vasco não só sobreviveu, como estava
destinado a glórias que seus fundadores nem nos seus sonhos mais delirantes
poderiam vislumbrar.
Criação do setor de futebol
O início do século XX testemunhou, além das vitórias obtidas no mar pelo Vasco,
o surgimento de um novo esporte no Rio de Janeiro, importado da Inglaterra. Apesar
de praticado principalmente por rapazes oriundos de familias abonadas, o
football foi paulatinamente despertando o interesse da população
em geral e sua prática se disseminando, embora sem inicialmente ameaçar a
popularidade do remo.
Em 1913, desembarcou no Rio uma seleção de Lisboa, a convite do Botafogo FC,
para a inauguração do seu campo na Rua General Severiano. O evento motivou
diversos membros da colônia portuguesa a se organizar para a prática do esporte
bretão, e três clubes de futebol foram fundados, todos, porém, de existência
efêmera. Um deles, o Lusitânia, fundiu-se ao Vasco, trazendo no processo os seus
sócios e patrimônio, que consistia de uniformes, chuteiras e bolas de futebol.
Os entendimentos para essa fusão começaram a 11 de novembro de 1915, concretizando-se a
26 do mesmo mês e ano, depois da realização de assembleias onde
foram analisadas tanto posições favoráveis como contrárias,
já que a resistência à criação de um setor de futebol
no clube era grande por parte de vários sócios mais ligados ao remo.
Acabou sendo necessária até uma modificação
no estatuto do clube para que a iniciativa tivesse êxito.
Depois de efetivada a adesão do grupo do Lusitânia e da posse da nova
diretoria eleita para o ano de 1916, foi feito o requerimento para a
filiação à Liga Metropolitana de Futebol, que comunicou sua
aprovação em 29 de fevereiro.
O uniforme
O uniforme do Lusitânia SC era semelhante ao da seleção de Lisboa: Camisa preta
com punhos e golas brancas e calção branco. Após a absorção do Lusitânia pelo
Vasco, este uniforme foi mantido, com uma pequena alteração, que foi a adição da Cruz
de Malta em substituição á esfera armilar portuguesa no lado esquerdo do peito.
O uniforme assim permaneceria até a década de 1940, quando a faixa
diagonal branca usada desde o início pelas guarnições de remo foi incorporada.
Data também dessa época o uniforme branco com a faixa diagonal negra.
A primeira partida oficial
Após começar a praticar o futebol no final de 1915, o Vasco não perdeu tempo e
filiou-se à Liga Metropolitana para participar da temporada de 1916, sendo
integrado à terceira divisão. E realmente começou por baixo: Na primeira
partida oficial, uma derrota por 10 a 1 para o “valoroso” quadro do Paladino FC. O gol
histórico – o primeiro da história do Vasco em partidas oficiais – foi marcado
por Adão Antônio Brandão.
A primeira vitória
Apesar da goleada contundente sofrida na estreia, os vascaínos não desanimaram.
No mesmo ano de 1916, no dia 29 de outubro, o Vasco obteve a sua primeira
vitória no futebol, derrotando por 2 a 1 a equipe do River, no campo do São
Cristóvão. Os gols foram de Cândido Almeida e Alberto Costa Junior. Uma
vitória que surgiu em condições especiais, pois o River só pôde contar com
nove jogadores. Esta vitória não evitou, porém, a colocação final do Vasco em
último lugar no campeonato. Pior que isso: Foram os únicos pontos conquistados.
Era óbvio que a equipe precisava de mais do que apenas entusiasmo.
O verdadeiro clube do povo
Nos anos seguintes à estreia na terceira divisão, o nível do time vascaíno foi
melhorando, certamente graças ao atrevimento de não discriminar negros e mulatos.
Apesar de ser basicamente um clube de colônia, o Vasco seguia a boa tradição
portuguesa da mistura, ao contrário dos tradicionais grandes clubes de futebol
do Rio. Estes, via de regra, não somente não aceitavam indivíduos de cor em seus
quadros sociais, como alguns chegavam ao extremo de admitir exclusivamente
ingleses e seus descendentes – caso do Paysandu, campeão de 1912, e do Rio
Cricket.
Ao contrário dos grandes clubes de futebol do Rio, desde a sua fundação o Vasco
esteve aberto a brasileiros de todas as origens e classes sociais, além dos
portugueses, tendo tido, inclusive, um presidente mulato, Cândido José de Araújo,
eleito para o período de agosto de 1904 a agosto de 1905 e reeleito para o período
seguinte, até agosto de 1906. Foi sob a sua presidência, em 24 de setembro de 1905, que o
Vasco se sagrou campeão carioca de remo pela primeira vez na sua história.
O Lusitânia havia sido um clube fechado, só para portugueses, mas, ao ser
absorvido pelo Vasco, foi a filosofia aberta deste que prevaleceu. Para reforçar
a sua equipe de futebol, o Vasco ia recrutando sem discriminação aqueles que se
sobressaíam nas peladas de subúrbio e nos clubes pequenos. Assim, enquanto os
jogadores dos aristocráticos clubes grandes eram praticamente todos brancos
ricos, a maioria acadêmicos, os jogadores do Vasco eram de profissão humilde,
sendo que alguns mal sabiam assinar o nome. Anos mais tarde, o clube chegaria
até a contratar um professor de gramática, satisfazendo uma exigência da
Liga – leia-se, dos clubes rivais, sempre a procura de pretextos para
hostilizar o Vasco.
A ascensão à primeira divisão
Apesar do Vasco haver terminado a sua participação na terceira divisão do
campeonato de 1916 em último lugar, passou à segunda divisão do certame do
ano seguinte, pois, devido a filiação de novos clubes à Liga Metropolitana,
foi feita uma reformulação, resultando no aumento do número de clubes para
dez em cada uma das três divisões. O Vasco permaneceu na segunda divisão até
1920. Para a temporada de 1921, houve nova modificação na estrutura das
divisões. A primeira divisão foi dividida em duas séries, com sete clubes
em cada uma: A série A com os sete primeiros colocados da primeira divisão
de 1920, e a série B com os três últimos colocados da primeira divisão mais
os quatro primeiros colocados da segunda. Como o Vasco tinha alcançado o
quarto lugar na segunda divisão, foi classificado para a série B.
Finalmente, em 1922, o Vasco venceu as três categorias da série B – primeiro,
segundo e terceiro quadros – proeza que deu ao Vasco a posse temporária da
rica Taça Constantino, instituída naquele ano pela firma José Constante & Cia.
Foi o primeiro troféu conquistado pelo Vasco no futebol. O Vasco conquistaria a
posse definitiva da Taça Constantino em 1924, quando acumulou a maior pontuação
nos campeonatos das três categorias durante os três anos em que a Taça foi
disputada.
O título da categoria de primeiros quadros da série B de 1922 deu ao Vasco
o direito de disputar a promoção à série A numa partida, chamada na
época de “eliminatória”, contra o último colocado da série A, que tinha
sido o São Cristóvão. A partida terminou empatada e, como o regulamento
não previa uma partida desempate, a Liga decidiu aumentar o número de
participantes da série A de sete para oito, evitando desta maneira o
rebaixamento do São Cristóvão e garantindo a participação do Vasco no
campeonato do ano seguinte, na companhia de, entre outros, Flamengo,
Fluminense, Botafogo e o América, clube que havia se sagrado
“Campeão do Centenário” na série A.
O primeiro título e o início da rivalidade com o Flamengo
A princípio, os clubes grandes nem ligaram para a entrada do Vasco na série A
em 1923. Que é que podia fazer um clube de segunda divisão, cuja maioria dos
jogadores residiam em alojamentos na Rua Morais e Silva, ao lado dum campinho de
treinamento tão ruim que nem para jogos oficiais servia? Os portugueses do
Vasco, pensavam eles, que botassem no seu time quantos crioulos quisessem, mas
tudo continuaria como sempre foi, com os brancos vencendo os campeonatos e os
pretos nos seus lugares, nos clubes pequenos.
Só que o Vasco, graças a um forte regime de treinamentos ministrado pelo
técnico uruguaio Ramon Platero, atravessou o primeiro turno sem perder um ponto
sequer. E quanto mais vencia, mais os estádios se enchiam de gente que nunca
tinha visto um jogo antes. O desprezo se transformava em inveja e as torcidas
adversárias se uniam, a um só tempo humilhadas por verem seus galantes “players”
superados por um “team de negros” rumo ao título invicto e frustradas por
perderem dinheiro em apostas semanais com portugueses. O Vasco era um fenômeno:
Com seu time brasileiríssimo, era acusado pelos adversários filo-britânicos de
ser um intruso estrangeiro, ou pelo menos, português.
Com o Vasco já praticamente campeão, a questão era se alguém conseguiria tirar
a sua invencibilidade. A invencibilidade caiu finalmente em um dos últimos jogos da temporada,
contra o Flamengo, no que acabaria por ser a única derrota da brilhante campanha.
O encontro foi conturbado e os vascaínos contestaram a estranha anulação, por
parte do árbitro Carlito Rocha, do Botafogo, do gol que seria o de empate.
Terminada a partida, disputada no estádio do Fluminense, os torcedores do Flamengo,
aos quais se juntaram os de outros clubes, saíram em passeata pelas ruas desde as
Laranjeiras em direção à Lapa, festejando como se tivessem ganho o campeonato.
Pelo caminho, na Glória, “enfeitaram” um busto de Pedro Álvares Cabral com um
colar de résteas de cebola, e chegando na Lapa, concentraram-se em frente ao
restaurante Capela, tradicional reduto vascaíno, com um dos carros da procissão
exibindo um tamanco de mais de dois metros, retirado da marquise de uma loja.
Aí o pau comeu, e assim começou a rivalidade Vasco-Flamengo.