História
1924-1943
A perseguição racista dos clubes grandes contra o Vasco
Preocupados com a pujança do Vasco, que se manifestava claramente na
proliferação dos seus adeptos não apenas no seio da colônia portuguesa, e
dispostos a evitar que o campeão de 1923 repetisse a dose no ano seguinte, os
clubes grandes iniciaram um movimento destinado a afastar o Vasco do campeonato,
valendo-se dos mais aberrantes argumentos. Inicialmente, tentaram exigir dos
clubes pequenos, inclusive o Vasco, que estes se submetessem a uma “investigação
das posições sociais” de seus jogadores. Os clubes pequenos teriam que eliminar
de seus quadros jogadores considerados profissionais ou que não fossem capazes de
assinar as súmulas.
Ao terem sua proposta rejeitada, os clubes grandes então abandonaram a Liga
Metropolitana e fundaram a Associação Metropolitana de Esportes Amadores. O
ingresso do Vasco na AMEA foi recusado, sob a alegação de que não possuía um
campo apropriado para jogos de campeonato. Contudo, foi apresentada ao Vasco
uma lista de doze de seus jogadores que deveriam ser eliminados do clube para
que sua filiação fosse aprovada. O Vasco, lavrando seu protesto contra a
mal-disfarçada atitude racista dos clubes grandes, comunicou sua desistência
de fazer parte da AMEA e teve mesmo que disputar o campeonato de 1924 pela Liga
Metropolitana, o qual ganhou de maneira invicta, competindo com os outros
clubes rejeitados pela nova entidade.
A construção do estádio de São Januário
Decididos a fazer do Vasco um clube grande, os vascaínos partiram então para
a construção de um estádio, passando a angariar fundos entre 1924 e 26. Listas
corriam pela cidade, onde toda gente assinava, dando a contribuição que podia.
O êxito foi tanto que, ao final de 1926, oito mil novos sócios tinham
ingressado no clube. Em 1925, foi adquirido um terreno numa colina em São
Cristóvão, que havia sido ocupada no século XIX por uma chácara doada por D.
Pedro I à Marquesa de Santos.
A construção do estádio coube a Cristiani & Nielsen, prestigiosa firma
que pouco antes havia erguido o Jockey Club Brasileiro no hipódromo da Gávea.
A pedra fundamental foi lançada no dia 6 de junho de 1926. Raul da Silva Campos
era o presidente do Vasco. Menos de 11 meses depois, o clube entregava ao
futebol brasileiro o estádio Vasco da Gama, mais tarde popularmente denominado
de São Januário. A relação é apenas geográfica, pois tem esse nome a rua que
é uma das principais vias de acesso ao estádio – foi, aliás, a única durante
muito tempo, onde circulavam os bondes que levavam e traziam os torcedores – e
em cujo final estão situados os portões das arquibancadas destinadas aos
não sócios.
O suspeito campeonato de 1926
Com a sua popularidade e seu quadro social crescendo rapidamente, e com o
grande sucesso de seu plano de construção do estádio, o Vasco foi admitido
na AMEA em igualdade de condições com os clubes grandes, fundadores da
entidade, ainda em tempo para o campeonato de 1925. Nesse ano o Vasco obteve
o terceiro lugar, com apenas dois pontos de diferença do campeão.
No ano seguinte, 1926, o Vasco conquistou pela primeira vez o Torneio Início e
obteve o segundo lugar no campeonato, apenas um ponto atrás do São Cristóvão.
Foram bastante estranhas as circunstâncias do único título carioca da história
do São Cristóvão: Na partida do returno, o Flamengo ia derrotando o São
Cristóvão por 3 x 1, no seu campo da rua Payssandu, quando o árbitro marcou um
pênalti contra o time rubro-negro, originando-se então uma invasão de campo pela
sua inconformada torcida. A partida foi suspensa pelo árbitro e posteriormente
anulada por uma insistência inexplicável do Flamengo, que afinal ainda estaria
em vantagem mesmo que a partida fosse reiniciada e o pênalti fosse convertido.
Uma nova partida foi então marcada para depois da última rodada do campeonato.
Uma vitória do Flamengo daria o título ao Vasco. Suspeitissimamente, a propalada
mística da camisa rubro-negra não entrou em campo: o São Cristóvão aplicou uma
folgada goleada de 5×1 e conquistou o título.
A inauguração de São Januário
No jogo inaugural do seu estádio, na ensolarada tarde de 21 de abril de 1927, o
Vasco enfrentou a equipe do Santos, famosíssima então pela força arrasadora do
seu ataque. O Santos venceu por 5 a 3, após um empate de 1 a 1 no primeiro tempo.
Evangelista, dois, Feitiço, Omar e Araken marcaram pelos santistas e Negrito – o
primeiro gol do Vasco no seu novo estádio -, Galego e Paschoal pelos cruzmaltinos.
Antes da partida houveram várias solenidades, culminando com o corte de uma fita
simbólica pelo aviador português Sarmento de Beires, realizador da travessia
Lisboa-Rio comandando o avião “Argos”. Várias autoridades se fizeram presentes,
inclusive o presidente da República, Washington Luís, que ironicamente havia
negado permissão ao Vasco para a importação de cimento da Bélgica para a
construção do estádio – atitude completamente arbitrária e de má vontade,
considerando-se que o presidente havia concedido esta permissão
para o Jockey Club Brasileiro, que havia sido inaugurado no ano anterior.
Dez dias depois do amistoso da inauguração, foi disputado o primeiro
jogo oficial em São Januário. O Vasco recebeu a visita do S. C. Brasil,
na primeira rodada do campeonato carioca, e confirmou o seu favoritismo, goleando
implacavelmente o clube da Praia Vermelha por 11 a 0. Na preliminar, pelo campeonato de
segundos quadros, o placar foi igualmente esmagador: Vasco 10 a 0.
Os refletores foram inaugurados praticamente um ano depois, em 31 de março de
1928, com a realização de um amistoso em que o Vasco venceu o Wanderers, do
Uruguai, por 1 a 0, gol olímpico do ponta-esquerda Santana.
Na época da sua inauguração, São Januário era o maior estádio da
América do Sul e seria o maior do Brasil até a inauguração do Pacaembu em 1940.
Jogos da seleção brasileira foram regularmente realizados em São
Januário até a inauguração do Maracanã em 1950, destacando-se a conquista do
Campeonato Sul-Américano pelo Brasil em 1949. Ainda hoje, São Januário é o
maior e o melhor estádio de clubes do Rio de Janeiro. Seu recorde de público
é de 40.209 pagantes, registrado na partida Vasco 0 x Londrina 2,
em 19 de fevereiro de 1978.
Além de sua importância esportiva, o estádio foi palco de diversos eventos
marcantes da história do Brasil, como comícios políticos e assembleias de
sindicatos de trabalhadores. Foi durante um histórico comício de 1º de maio
em São Januário que o presidente Getúlio Vargas anunciou as primeiras leis
sociais do Brasil.
O primeiro grande time
O Vasco voltou a ser campeão carioca em 1929, após uma sensacional decisão em
melhor-de-três contra o América. Depois de empates em 0 a 0 e 1 a 1, o Vasco
conquistou o título com uma goleada de 5 a 0 sobre os rubros. O Vasco apresentou
a sua primeira grande equipe, onde brilhavam vários jogadores da seleção
brasileira, como o goleiro Jaguaré, os zagueiros Brilhante e Itália, o
centromédio Fausto e os atacantes Paschoal e Russinho. Quatro destes jogadores –
Brilhante, Itália, Fausto e Russinho –
participaram da primeira Copa do Mundo no ano seguinte, no Uruguai, onde Fausto
recebeu da imprensa uruguaia o apelido de “Maravilha Negra”. Com o seu elegante
estilo de matadas no peito, exímio controle de bola e passes longos, Fausto foi
o primeiro de uma escola brasileira de jogadores clássicos de meio-campo.
De 1929 a 1932, o Vasco foi tetracampeão do Torneio Início, feito
jamais igualado antes ou depois por outro clube carioca. Em cada uma das finais,
um adversário diferente foi batido – respectivamente, América, Bangu,
Fluminense e Botafogo, cada um pelo mesmo placar de 1 a 0, alcançados no tempo
normal de jogo, sem precisar de prorrogações ou do critério de
número de escanteios, que, pelo regulamento, era usado para desempate.
Nos campeonatos cariocas seguintes, o Vasco esteve por repetir a façanha, mas
não conseguiu por detalhes. Em 1930, aconteceu uma derrota inesperada e suspeita
para o Sírio e Libanês, que tinha um zagueiro,
Aragão, que era famoso por usar chapinha de aço no bico das chuteiras. Nesse dia,
incentivado por um prêmio extra de 500 mil réis oferecido pelo Botafogo,
interessado na derrota do Vasco, Aragão quebrou quase todo o time vascaíno, que
acabou perdendo por 1 a 0 e ficou em desvantagem na tabela. Mais além, faltando
quatro rodadas, a histórica goleada de 6 a 0 sobre o Fluminense, até hoje
a maior do confronto entre ambos, deu alento aos vascaínos, mas a seguir uma derrota
por 1 a 0 para o América complicou ainda mais a situação, e não
adiantaram as vitórias nas duas últimas rodadas sobre o Botafogo (que seria
o campeão) e o Flamengo para dar ao Vasco mais do que a segunda colocação.
No ano seguinte, os vascaínos puderam comemorar mais uma goleada histórica,
dessa vez, 7 a 0 sobre o Flamengo, também a maior desse confronto. Porém o Vasco
novamente acabou deixando escapar o título quando, com um ponto de vantagem sobre o
América na última rodada, perdeu em São Januário para o Botafogo
por 3 a 0. Simultâneamente, o América derrotou em seu campo o Bonsucesso por
3 a 1 e terminou campeão. Um fato curioso foi que, como não existiam
transmissões esportivas pelo rádio naquela época, os festejos por
parte dos rubros só começaram muito depois do encerramento das partidas,
quando os dirigentes ficaram sabendo da derrota do Vasco pelo telefone.
A primeira excursão à Europa
Em 1931, o Vasco tornou-se o primeiro clube carioca, e o segundo brasileiro, a
realizar uma excursão à Europa. Antes do Vasco, somente o Paulistano, que em
1925 havia cumprido uma vitoriosa temporada na França, sofrendo apenas uma derrota. O
Vasco, reforçando a sua equipe com os jogadores Nilo, Carvalho Leite e Benedito, do
Botafogo, e Fernando, do Fluminense, jogou 12 partidas em Portugal e na Espanha, de
junho a agosto, tendo obtido 8 vitórias, 1 empate e 3 derrotas, com 45 gols pró e
18 contra, resultados que beneficiaram a reputação do futebol brasileiro. Jaguaré e
Fausto, inclusive, encantaram os espanhois e foram imediatamente contratados pelo
Barcelona. Ambos acabaram voltando para o Vasco – Fausto, em menos de dois anos, mas Jaguaré
prosseguiu por mais tempo na Espanha e depois na França, onde tornou-se ídolo
do Olimpique Marseille. Tristemente, ambos morreram na miséria, após o fim de suas carreiras.
A cisão do futebol
Em 1933, houve em vários estados uma cisão entre a Confederação Brasileira de
Desportos, que advogava o amadorismo, e os clubes que desejavam a
profissionalização do futebol. No Rio, todos os clubes grandes e médios se
posicionaram contra a CBD, e formaram a Liga Carioca de Futebol, profissionalista,
com exceção do campeão do ano anterior, o Botafogo, que permaneceu na AMEA.
Na LCF, o Vasco foi campeão em 1934 com outro grande time, que contava com o
goleiro Rei, o grande Domingos da Guia, Fausto, e a dupla de atacantes da
Seleção Leônidas e Gradim, contratados ao Bonsucesso. Domingos, que começara
no Bangu, havia jogado no Vasco em 1932, saído no ano seguinte para o Nacional de Montevidéu
e voltado ao Vasco em 1934. Depois do campeonato, transferiu-se ao Boca Juniors,
tendo alcançado o feito, muito comentado na época, de ter sido campeão em três
países diferentes em pouco mais de um ano. Leônidas tornou-se um dos
profissionais que foram contratados pela CBD, que praticava o amadorismo marrom,
para participarem da Copa de 1934. Na volta, Leônidas foi transferido ao Botafogo.
Aconteceu então, em fins de 1934, uma briga entre Vasco e Flamengo, originada
no remo. Por ocasião da disputa de uma regata, o Flamengo protestou contra a
classificação de um páreo vencido pelo Vasco. Outros clubes, entre os quais o
Fluminense, que, apesar de não disputarem no remo, eram filiados à federação
de remo por esta também administrar a natação, saltos ornamentais e polo
aquático, tomaram o partido do Flamengo. Os cartolas do Botafogo, aproveitando-se
deste impasse, sugeriram aos cartolas do Vasco que recorressem à CBD. Assim,
restou ao Vasco largar Flamengo, Fluminense e América e juntar-se ao Botafogo,
formando uma nova liga em 1935, a Federação Metropolitana de Desportos, sob os
auspícios da CBD, que nessa altura já havia passado a aceitar o
profissionalismo. Outros clubes seguiram o caminho do Vasco, entre eles São
Cristóvão e Bangu. Pela FMD, o Vasco foi o campeão de 1936, quebrando a série de
quatro campeonatos consecutivos (em ligas diferentes) do Botafogo. A decisão,
que adentrou pelo ano de 1937, foi numa melhor de três contra o Madureira, tendo
o Vasco vencido a última partida por 2 a 1, dois gols de Feitiço.
A pacificação do futebol carioca
Chegava-se finalmente a 1937 e a CBD era a virtual vencedora da guerra
desportiva dos cinco anos. A Copa do Mundo da França se aproximava e a
unificação do futebol era imprescindível. A pacificação começou pelo futebol
carioca e partiu de uma feliz iniciativa dos presidentes do Vasco – Pedro Pereira
Novaes – e do América – Pedro Magalhães Corrêa. Em São Januário ainda hoje há,
ao lado da escadaria principal que dá acesso às sociais do Clube, uma placa
comemorativa com o nome destes presidentes que contribuíram para a pacificação
do nosso futebol.
A fundação da Liga de Football do Rio de Janeiro ocorreu na sede da Associação
dos Empregados do Comércio, em 29 de julho, desaparecendo assim, pela fusão,
a LCF e a FMD. Para a comemoração do histórico evento, foi marcada para 31 de
julho, em São Januário, a primeira partida de uma melhor-de-três entre Vasco e América, que passou a ser
denominado “Clássico da Paz”. O Vasco venceu por 3 a 2, e renda bateu o recorde
na cidade do Rio de Janeiro, mesmo com os associados dos dois clubes entrando sem
pagar.
O acordo estendeu a pacificação também ao âmbito nacional, permanecendo a CBD
como única entidade e sendo extinta a FBF, que era a entidade rival. Com isso,
a paz logo alcançou os demais estados brasileiros.
A Praga do Arubinha
Em meados do campeonato de 1937, o Vasco lutava pelas primeiras colocações e
enfrentaria o Andaraí numa noite chuvosa. Ocorreu um acidente de trânsito
envolvendo o taxi onde se encontravam cinco jogadores do Vasco, quando se dirigiam ao
estádio das Laranjeiras. Os jogadores tiveram que ser atendidos num pronto-socorro,
quatro deles com escoriações leves, e um caso mais grave, o de Oscarino, que
fraturou algumas costelas. A espera pelos jogadores acidentados, entre os quais estavam
os dois goleiros Joel e Rei, causou um longo atraso no início da partida. Se o
Andaraí quisesse, teria ganho os pontos, mas resolveu aguardar o adversário.
O agradecimento foi uma impiedosa goleada de 12 a 0.
Segundo o folclore, Arubinha, um ponta-esquerda do Andaraí, que naquela partida
estava na reserva e não chegou a entrar em campo, na manhã seguinte
entrou de fininho em São Januário e enterrou no campo um sapo com a boca
costurada, rogando uma praga de que o Vasco ficaria 12 anos sem ser campeão.
O matreiro Arubinha sempre negou ter feito o que diziam, embora admitisse ter conduzido uma
“reza” naquele sentido. Mas o fato é que o Vasco passou a perder jogos inesperados
e acabou a temporada em terceiro lugar, oito pontos atrás do campeão, o Fluminense.
Outros craques vascaínos da década de 1930
Além dos craques já citados, como Fausto, Rei, Domingos da Guia, Itália e
Leônidas, alguns dos outros grandes craques que vestiram a camisa negra cruzmaltina
naqueles tempos iniciais do profissionalismo foram Feitiço, famoso atacante
paulista; Luís Carvalho, um gaúcho que, apesar de mais parecer um pugilista, era
muito ágil e veloz; Bahia, meia que chegou a jogar na seleção; e Niginho,
artilheiro do campeonato em 1937 e reserva da seleção que conquistou o terceiro
lugar na Copa de 1938. Depois veio o uruguaio Villadoniga, que apesar de leve e
de jogar com chuteira de lona, tinha um chute potentíssimo. Maior artilheiro
vascaíno entre 1938 e 1942, Villadoniga continua sendo o maior artilheiro estrangeiro
da história do clube. O problema era o seu temperamento irritadiço. Como na
época havia o esdrúxulo regulamento de que jogador expulso podia ser
substituído, os adversários – especialmente o Flamengo – começavam os
jogos com um jogador reserva para marcar Villadoniga com a missão específica
de provocá-lo. Ao fim de dez minutos, no máximo, ambos estavam expulsos,
e enquanto o Vasco substituía o impetuoso gringo por um reserva, o adversário
colocava o titular.
Nessa época, o Vasco tinha uma equipe com vários argentinos e uruguaios, entre
os quais Figliola e Dacunto, que formavam com o center-half Zarzur uma linha
média de muito prestígio. Conhecidos como os “Três Mosqueteiros”, faziam e
desfaziam de técnicos, escalando, barrando e até mesmo contratando e
dispensando jogadores. Exerceram essa autoridade até o dia em que Ondino Viera
assumiu o cargo de treinador, em substituição ao gaúcho Telêmaco
Frazão. Um dos primeiros atos de Ondino foi se livrar dos três e recomeçar
do zero. Começava uma era que merece um capítulo à parte.