C. R. Vasco da Gama: Jogões, 1949

C. R. Vasco da Gama: Jogões, 1949 C. R. Vasco da Gama site não oficial Principal Ficha História Crônicas Curiosidades Jogões Goleadas Times-base Títulos Estatísticas Excursões…

C. R. Vasco da Gama: Jogões, 1949




C. R. Vasco da Gama: Jogões, 1949


Uma virada para manter a escrita

Vasco 5×2 Flamengo (Campeonato Carioca 1949)

Compilado de um artigo de Duarte Gralheiro para o Jornal dos Sports de
12/6/1976 e um depoimento de Sergio Cabral para a edição extra de Placar
de abril de 1979.

O Flamengo jamais fora freguês de caderno de qualquer clube. Quando a
escrita – então ninguém sabia que se transformaria em tal – começou, em
1945, ninguém ligou. Entretanto, em 1949, os rubronegros nem podiam
ouvir falar em Vasco, que há quase cinco anos não perdia uma partida que
fosse para o Flamengo. E pior: em
1945 e
1947 se sagrara campeão invicto.

A frustração de cada rubro-negro, torcedor ou dirigente – apenas mais
um torcedor, só que com algum dinheiro – explodiu no dia 21 de agosto,
quando o destino lhes pregaria uma peça: o Flamengo chegou a vencer por
2 a 0 e terminou goleado por 5 a 2. Era demais. Alguém tinha que pagar
o pato. No frigir dos ovos,
Jair Rosa Pinto, o Jajá de Barra Mansa,
foi queimado.

O ano de 1945 começara risonho para os rubronegros, pois o Flamengo vinha
da conquista de um tricampeonato. Mais que isso, o tricampeonato fora
conquistado em cima do Vasco. Para culminar tudo, o Vasco chorara o
gol de Valido feito bezerro desmamado. Apelara para filmes – um simples
borrao que cada um interpretava a sua maneira -, para testemunhas
“insuspeitas”, o diabo, na ânsia de pelo menos firmar sua “vitória moral”
no jogo decisivo. Os vascaínos pagaram caro a choradeira, eram gozados
em todos os cantos da cidade. Então, o tetracampeonato esfumou-se e os
rubronegros foram obrigados a segurar calados as “afrontas” dos
adversários. O Vasco era campeão e, também muito importante, sem perder
para o Flamengo.

Em 1946, o Flamengo quase chegou ao título, mas afinal perdeu-o ao
disputar o supercampeonato com Botafogo, América e Fluminense, este o
campeão. De qualquer maneira, os rubronegros não sentiram muito o fato
de não terem vencido os vascaínos, já que brigaram até o fim, enquanto
seu maior rival muito cedo despediu-se da luta. Veio 1947 e aí a
flamengada endoidou. Os vascaínos já falavam em escrita, que o
campeonato daquele ano iria confirmar. O Flamengo não teve o gosto
de uma vitória e o Vasco bisou 1945: campeão invicto. Os vascaínos
começavam a chamar os rubronegros de fregueses de caderno. 1944 já
eram águas passadas. A história repetiu-se, em parte, em 1948: O Flamengo
continuou sem o gosto de uma vitória, parecia que o Vasco nunca mais
perderia uma partida.

Na verdade, o Vasco
(JPEG, 32k)
era um esquadrão que esbanjava jogadores de alta
categoria, fornecia oito, dez jogadores para a Seleção. O rubronegro
não acreditava no poderio do Vasco para explicar a escrita: tudo era
um castigo pela gozação de 1944. Acima de tudo, não aceitavam que o rosário
de maus resultados – seis derrotas, algumas delas por goleada, e dois
empates – fosse resultado da superioridade inconteste do time adversário:
aquilo era “coisa feita”.

No campeonato de 1949,
o Flamengo brigava pela ponta até o final do turno,
ali, junto ao Botafogo e Vasco. Vasco e Flamengo se enfrentariam em
São Januário, no dia 21 de agosto. Exatamente quando o clube do Almirante
comemoraria mais um aniversário – a partida estava na medida para uma
grande comemoração.

A torcida do Flamengo, que acreditava-não-acreditando na escrita,
compareceu em peso a São Januário, certa de que o Flamengo iria dar um
digno “presente de aniversário”. A social do Vasco estava embandeirada,
cada vascaíno convicto de que veria outro passeio. Com apenas dez
minutos de jogo, o Flamengo vencia por 2 a 0 – delírio entre os
rubro-negros; desespero na social.

O noticiário da véspera anunciava que o Flamengo iria armar um esquema capaz
de anular o
Ademir, que era o grande goleador do Vasco.
E o estratagema estava dando resultado, pois o time do Vasco não se
encontrava em campo. Foi aí que Flávio Costa fez uma coisa maravilhosa:
recuou Ademir, colocando-o para armar as jogadas, e adiantou o
Maneca, como centro-avante, no meio dos
beques do Flamengo.

Então, Jair, que havia sido do Vasco nos idos de 1944 e 45, mas que agora
era ídolo do Flamengo, perdeu o gol mais feito do jogo.
Danilo diminuiu
com um gol esquisito e logo depois Maneca empatava com um chute rasteiro
(JPEG, 18k),
rente à trave direita. O Flamengo desacertou inteiramente. E a
piorar a situação, só ante o gol, Esquerdinha chutou forte – e mandou
uma mensagem a São Pedro. A rubronegrada passou do delírio ao
inconformismo, principalmente porque o cobrão Jair não conseguia matar
uma bola, não acertava um passe, não encontrava brecha para dar um único
chute a gol. Jair estava ou parecia diferente.

Já no intervalo do jogo, Jair ficou separado dos demais jogadores no
vestiário. Mantinha-se acabrunhado num canto. Zizinho foi consolá-lo,
“afinal de contas qualquer um podia perder um gol feito ou jogar mal”.
“Vocês hão de pensar que eu estou na gaveta”, balbuciou Jair. “Nem
pense nisso. O que é preciso é que você corra, pelo menos”, aconselhou
Zizinho.

Os dois times voltaram para o segundo tempo e o Flamengo foi recebido em
silêncio absoluto pela sua torcida. Mal o jogo recomeçou, o Vasco marcou
o seu terceiro gol. Logo o quarto, de Nestor
(JPEG, 19k),
acertando um daqueles chutes impossiveis, sem ângulo, que ele de vez em quando
acertava da ponta direita. Em campo, Jair era apenas uma sombra do craque de outras
jornadas. Todos viam, só então viam, que ele não corria – o que jamais
fizera antes.

Por outro lado, Ademir, jogando recuado, fez a sua mais brilhante
exibição. Ali, naquele jogo, o torcedor entendeu direitinho o que era
a definição de craque. Ademir mostrou que era um jogador perfeito,
brilhante em todos os setores do campo. O Vasco ainda fez mais um,
por intermédio de Ipojucan, e quando o jogo acabou, o placar lá estava:
Vasco 5, Flamengo 2.

Para continuar a não acreditar na escrita – leia-se superioridade do
time vascaíno – a torcida exigiu a cabeça de Jair. Exigência também
feita pelos torcedores-dirigentes. O presidente do Flamengo, Dario de
Melo Pinto, logo afirmou a uma rádio: “Jair nunca mais vestirá a camisa
do Flamengo”. O diretor de futebol Francisco de Abreu até que gostava
do Jajá, “mas não acreditava no que vira; aquilo era demais”.

Jair continuava encolhido num canto do vestiário. Chico de Abreu foi
pedir explicações ao jogador. Jair negou que tivesse facilitado ou
feito corpo mole: “Só pode ser coisa feita, pois eu me encontrava
como que pregado no chão. Queria correr, saltar e minhas pernas não
me obedeciam. Recebia a bola e quando procurava passá-la ou chutá-la
a gol, uma espécie de tonteira escurecia minha visão, tirava-me as
forças. Foi coisa feita, seu Abreu, pode ficar certo”.

A onda era impossível de ser contornada. Jair logo se convenceu disso
e afirmou que não colocaria obstáculos à sua saída do clube. No dia
seguinte chegavam ao Rio emissários do Palmeiras e Atlético Mineiro
interessados num dos maiores armadores que o Brasil já viu jogar.
Afinal ganhou o Palmeiras. Jair foi vendido a preço de banana: Cr$200
e mais o passe de Lero. Quantos se lembram de Lero? Quando Jair será
esquecido?

E a camisa 10 de Jair, foi ou não queimada? Há os que juram que sim;
há os que não. O que há de realidade por trás do mito é de pouca
importância. Para todos os efeitos a camisa de Jair foi queimada, pois
na sua queima há toda uma simbologia: como que uma caça do Flamengo
à feiticeira que mantinha uma escrita inexplicável. A feiticeira fora
queimada na fogueira – hábito muito usado na Idade Média – e o Flamengo
voltaria a vencer o Vasco.

Mas a queima de Jair não quebrou a escrita. O Flamengo passou o ano de
1949 sem vencer o seu rival. O fato se repetiu em 1950. Afinal, em
1951, num jogo cheio de anormalidade, o encanto foi quebrado: o Flamengo
venceu por 2 a 1. E naquele instante começava a se fazer um ídolo
no Flamengo: Rubens, o Dr. Rubis. Ídolo que alguns anos depois deixaria
o Flamengo em circunstâncias semelhantes às de Jair.

A ficha do jogão:

21/8/49 – Vasco 5 x 2 Flamengo
Local: São Januário
Juiz: MacPherson Dundas
Gols: Augusto(contra) 3′, Gringo 6′, Danilo 17′ e Maneca 27′ do 1º tempo;
Maneca 8′, Nestor 16′, Ipojucan 32′ do 2º
VASCO: Barbosa; Augusto e Sampaio; Eli, Danilo e Jorge; Nestor, Maneca,
Ademir, Ipojucan e Mário.
FLAMENGO: Garcia; Juvenal e Job; Valdir, Bria e Jaime; Luisinho, Gringo,
Zizinho, Jair e Esquerdinha.
Expulsão: Esquerdinha.