C. R. Vasco da Gama: Jogões, 1950

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C. R. Vasco da Gama: Jogões, 1950




C. R. Vasco da Gama: Jogões, 1950


O primeiro campeão do Maracanã

Vasco 2×1 América (Campeonato Carioca 1950)

O Rio de Janeiro está às portas do carnaval de 1951. Nesse domingo, dia
28 de janeiro, o novo Estádio Municipal, o maior do mundo, inaugurado
alguns meses antes para a Copa do Mundo de 1950, será pela primeira vez
palco de uma decisão de Campeonato Carioca. É a última rodada do
campeonato de 1950,
e a tabela marca exatamente o confronto entre o líder, o Vasco, e o vice-líder, o América.

O Vasco leva um ponto de vantagem, depois de uma campanha irretocável no
returno, quando venceu a todos os seus adversários. Os seis pontos
perdidos do Vasco eram consequência das derrotas em três clássicos no
turno, contra Fluminense, Botafogo e o próprio América, que virara o
turno na liderança.

O Vasco,
campeão invicto de 1949,
tem uma equipe poderosa, base da
Seleção Brasileira que havia perdido a Copa para o Uruguai pouco mais
de seis meses antes. Muita gente achava que o trauma da perda da Copa
haveria de influir negativamente no desempenho do Vasco no campeonato,
e apontavam aquelas três derrotas do primeiro turno como evidência.
Puros acidentes de percurso. O Vasco chegava a última partida mais
inteiro do que nunca, disposto a conseguir o bicampeonato que havia
escapado por duas vezes após os títulos também invictos de
1945 e
1947.

O América possui um estilo rápido e refinado de toque de bola, se
bem que muitas vezes o seu ataque pecava pela falta de objetividade.
Por isso, era apelidado de “tico-tico no fubá”. No turno, em pleno São
Januário, o time rubro havia imposto ao Vasco um placar de 3 a 2, e
agora estava confiante de sair do Maracanã com outra vitória e, por
conseguinte, com o título.

Um público pagante de 104.067 comparece nesta tarde de domingo
ao Maracanã, com renda de Cr$1.577.014,00. O Vasco entra em campo com
Barbosa; Augusto e Laerte; Eli, Danilo e Jorge; Alfredo, Ademir,
Ipojucan, Maneca e Dejair
(JPEG, 45k).
O América, com Osni; Joel e Osmar; Rubens, Osvaldinho e Godofredo; Natalino,
Maneco, Dimas, Ranulfo e Jorginho. A decisão apresentava um confronto entre
irmãos: Eli do Amparo e Osni do Amparo.

O técnico do Vasco, Flávio Costa, sabia muito bem do perigo que
representava a linha do “tico-tico no fubá”, em especial o meia
Maneco, que jogava a la Ademir, penetrando pela defesa como
ponta-de-lança. Naquela época, os times brasileiros jogavam usando a
“diagonal”. Nesse esquema, a linha da zaga era formada por um
lateral direito, um beque central e um lateral esquerdo. Flávio Costa
então preparou uma surpresa. Faria
Eli deixar de atuar no meio-campo e
recuar para permanecer entre o zagueiro direito
Augusto e o zagueiro
central Laerte, formando com esses e o lateral esquerdo
Jorge uma linha
de quatro zagueiros, algo inusitado no futebol brasileiro de então.

Começa o jogo e logo aos 4 minutos,
Ademir, o artilheiro do campeonato
e ídolo máximo do Vasco, abre a contagem. Mais ou menos na metade do
primeiro tempo, acontece a oportunidade para aumentar:
Ipojucan, em
jogada sensacional, dribla toda a defesa do América, mas, cara a cara
com Osni, dá de graça a bola para o goleiro. O estratagema de Flávio
Costa causa dificuldades para o time rubro. No entanto, quase no final
da primeira etapa, aos 40 minutos, Maneco encontra a brecha e empata a
partida.

Os times vão para os túneis. Aí começou o drama no vestiário do Vasco,
que nenhuma das mais de 100 mil pessoas presentes ao estádio suspeitava
que estivesse ocorrendo. Até hoje se discute o que realmente aconteceu.
Flávio Costa, numa entrevista a Dalton Crispim publicada no Jornal dos
Sports em 10/8/1976, deu a sua versão:

“Ipojucan é meu amigo, sabe? Um jogador extraordinário, cheio de virtudes
técnicas, 1,86 de altura, mole como um danado, mas um grande jogador.
Um sujeito folgado, entende? Ainda que fosse um camarada respeitador.
Ele gostava de tomar a sua cervejinha. Era um sujeito difícil,
principalmente pelas companhias. O que aconteceu com ele, no campeonato
de 1950, na decisão Vasco e América, não foi nenhum ato de maldade minha
e nem foi um ato de selvageria. Foi um ato de comandante. Aconteceu o
seguinte:

O Ipojucan era um jogador que tinha determinados vícios de origem, de
temperamento. Ele, numa jogada que fez na metade do primeiro tempo,
mais ou menos, driblou a defesa toda do América, chegou na frente do
Osni e jogou a bola nas mãos do Osni. Imediatamente ele meteu as mãos
na cabeça e ficou parado. Eu, que já conhecia os gestos do Ipojucan,
fiquei apavorado. Porque desse momento em diante, ele não fez mais nada.
Desorientado, ele parou. A reação dele era parar. Quando ele chegou no
vestiário, eu encarreguei o Dr. Amilcar Giffoni de conversar com ele.
Eu não queria nem assustar o Ipojucan. De modo que eu chamei os outros
jogadores, me reuni com eles, e falamos. O jogo estava 1 a 1. Quando
acabou a minha preleção, na hora em que mandei os jogadores para o campo,
eu ainda fiquei no vestiário, para tomar um café. Quando caminhei para
o túnel, eu vi, no corredor, o Augusto e o Laerte puxando o Ipojucan.
E o Ipojucan resistindo, não querendo entrar em campo. Eu entrei na
conversa: um momento! Augusto, entra em campo. Laerte, entra em campo.
Podem avisar o juiz que o Ipojucan vai entrar depois.

O Ipojucan virou e me disse: se o senhor deixar eu ir lá dentro, eu
entro no campo. Eu tive a impressão que ele estava se sentindo mal e
queria vomitar. Deixei ele ir. Chamei o Dr. Giffoni e pedi que ele fosse
ver o Ipojucan. Voltei. Quando entrei no vestiário, o Ipojucan estava
deitado no chão. — Eu não vou entrar, não vou não. Eu vou morrer. Estou
sentindo uma falta de ar — dizia o Ipojucan. Olhei para o Dr. Giffoni
e pedi-lhe que examinasse o jogador. — Examina esse cara! — O Giffoni,
para examinar ele, teve que deitar no chão. Escutou o coração dele no
chão. — Ele não tem nada!

O que é que eu podia fazer, como comandante, numa hora daquelas, em que
estava em jogo um título? Não podia substituir.

Eu levantei o Ipojucan no peito e dei-lhe duas bofetadas. Mas não foram
bofetadas de agressão, não. Foram terapêuticas. E ele se apavorou e saiu
correndo. Eu atrás dele. — Você vai entrar de qualquer maneira!

E ele entrou. Pudera: a única saída era aquela, que dava para o campo.
Entrou. E não fez nada, a não ser dar um passe maravilhoso para o
Ademir fazer o segundo gol.

Depois, saiu uma briga. Tinha o Godofredo, que batia pra burro. Houve
uma briga e o Godofredo e o Laerte foram expulsos. No meio daquela
briga, o Ipojucan já estava dando a volta para cair fora. Eu vi e
cerquei. Ele voltou para o campo e fazia assim com os braços (Flávio
abre os braços).

Quando acabou o jogo, com o nosso time campeão, ele foi premiado com 10
contos, um dinheirão na epoca, e eu o abracei. Ele entendeu que eu tinha
agido como um pai. Somos amigos e não tem nada.”

O fato é que a torcida deu pela falta de Ipojucan quando o time voltou a
campo e vibrou ao vê-lo subir correndo a escadaria do túnel
e entrar em campo. A corrida de Ipojucan foi tomada por vontade de
vencer. Mas Ipojucan passou o segundo tempo fazendo número na ponta direita,
completamente alheio a partida. Por ironia, numa bola que veio ter aos
seus pés, acabou colocando Ademir na cara do gol. O Queixada,
que não era de desperdiçar esse tipo de oportunidade, marcou então, aos 29
minutos, o gol do título
(JPEG, 28k)
– o seu vigésimo-quinto no campeonato.

O conflito a que se referiu Flávio Costa ocorreu aos 43 minutos do
segundo tempo, quando a torcida do Vasco já comemorava. O juiz Carlos
Monteiro, o popular “Tijolo”, expulsou também Osmar (América) e Eli
(Vasco), além de Godofredo (América) e Laerte (Vasco), por agressão.

O Vasco se converte no primeiro campeão carioca da era do Maracanã.
A multidão cantava no fim do jogo, com uma letra inventada na hora,
uma paródia do grande sucesso do carnaval de 1951:


Oi zum-zum-zum zum-zum zum-zum
Vasco dois a um
Ademir pegou a bola
e desapareceu
foi mais um campeonato
que o Vasco venceu”