C. R. Vasco da Gama: Jogões, 1957

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C. R. Vasco da Gama: Jogões, 1957




C. R. Vasco da Gama: Jogões, 1957


Um baile no Campeão Europeu

Vasco 4×3 Real Madrid (I Torneio de Paris 1957)

Grande parte do texto abaixo é uma transcrição do livro
O Expresso da
Vitória – Uma História do Fabuloso Club de Regatas Vasco da Gama
,
de Abraham Bohadana, pag. 62-66.

O Torneio de Paris nasceu em 1957 para ser o grande evento do calendário
internacional do futebol francês. Para sua primeira edição foram
convidados o Racing Club de Paris, um dos melhores times franceses da
época; o Vasco, campeão carioca de 56, representando a escola
sul-americana; o Rot Weiss Essen, uma das mais poderosas equipes da
Alemanha; e, como grande atração, o Real Madrid, considerado
simplesmente o melhor time do mundo.

E justiça seja feita, o Real era mesmo um timaço. Uma máquina, que
tinha o “péssimo” hábito de golear seus adversários. Se a defesa era
uma muralha, o ataque era avassalador, com destaque para o francês
Raymond Kopa e sobretudo para Alfredo di Stéfano. Não era a toa que
o Real, bicampeão europeu àquela altura, seguiria vencendo a Copa
dos campeões europeus seguidamente até 1960.

O Vasco já havia enfrentado aquele poderoso Real Madrid quase um ano
antes, em julho de 1956, na Venezuela. Em três partidas, houvera uma
vitória para cada lado e um empate – nos dois primeiros encontros, pelo
torneio Pequena Taça do Mundo, vitória do Real por 5 a 2 na primeira
rodada do turno e empate de 2 a 2 na última rodada do returno,
resultado que inclusive deu o título aos espanhois. A partida foi tão
boa que Vasco e Real foram convidados a realizar novo encontro no dia
seguinte, que terminou com a vitória vascaína por 2 a 0.

Quanto a Di Stéfano, era um velho conhecido do Vasco. Quase 10 anos
antes, Don Alfredo havia jogado pelo River Plate na
final do Campeonato Sul-Americano de Clubes
campeões
. Anulado pela defesa cruzmaltina, o Saeta Rubia
não pôde evitar o título invicto do Vasco naquela ocasião.

A participação no
Torneio de Paris era para o Vasco parte de uma
longa excursão de meio de ano, que havia começado em 5 de junho
no Caribe, com uma vitória por 2 a 1 sobre a Seleção de Curaçao.
A seguir, uma parada em Nova York, onde em 9 de junho derrotou
facilmente o Hakoach por 6 a 2. O time dirigido por Martim Francisco
partiu então para a Europa, onde faria mais onze partidas, começando
pelas duas programadas para o Torneio de Paris.

Na partida de abertura do torneio, o Vasco enfrentou o time
anfitrião, o Racing, na noite de 12 de junho de 1957. Para supresa
geral, o Vasco botou os franceses na roda, deixando a torcida e imprensa
boquiabertos. A tal ponto que a vantagem de 1×0 no primeiro tempo
(Livinho aos 22 minutos) foi considerada um presente para o adversário.
E o placar final de 3×1
(Pinga aos 13 e
Vavá aos 22, descontando Senac aos 44),
um resultado injusto, que não refletia nem de longe o que fora a partida.

Na partida de fundo, confirmando as expectativas, o Real não tomou
conhecimento do time alemão goleando-o por 5×0, com uma notável
exibição de Kopa e Di Stéfano.

Para a final do dia 14 de junho no Parc de Princes entre Vasco e Real
Madrid, os espanhóis eram considerados amplos favoritos pela imprensa
francesa. No seu livro
O Expresso da
Vitória – Uma História do Fabuloso Club de Regatas Vasco da Gama
,
Abraham Bohadana conta com riqueza de detalhes o que todavia ocorreu:

– Suave é a noite

Após uma partida preliminar maluca, que viu a vitória do Racing
sobre o Rot Weiss pelo placar esquisito de 7×5, Vasco
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e Real
entraram em campo para a final, diante de um público numeroso
[38 mil] e ávido de emoções.

E emoções não faltariam: aos 4 minutos, aproveitando-se de uma
indecisão de Viana, Di Stéfano colocava o Real em vantagem. O
gol espanhol pegou o Vasco ainda frio e criou o cenário ideal
para um europeu: um jogo agradável, uma noite maravilhosa, uma
equipe brasileira habilidosa mas perdendo.

Foi então que, num passe de mágica, o Vasco passou de dominado
a dominador. Seus jogadores começaram a tocar a bola com tal
habilidade que a partida foi se transformando numa verdadeira
brincadeira de gato e rato. O gol de empate, era óbvio, não
tardaria. Aos 20 minutos o lateral direito Dario fez um longo
passe transversal para Ortunho que, de primeira, enfiou para
a corrida de Pinga. O grande ponta foi a linha de fundo e jogou
para trás, para
Válter, que soltou uma bomba
que estufou a rede espanhola.

Entre estupefatos e divertidos, os franceses aplaudiram, sem
saber que o melhor estava por vir. Qual um rolo compressor, o
Vasco continuou o recital. Mesmo desfalcado de alguns titulares
convocados para a Seleção Brasileira que disputava as eliminatórias
da Copa do Mundo, o Vasco botou o grande Real Madrid na roda. De modo
que ninguém se surpreendeu com o segundo gol. Aos 32 minutos
nova jogada de Pinga pela esquerda, novo passe para a área, desta vez
para o complemento de Vavá, o “Peito-de-aço”, enfiado entre os zagueiros
espanhóis. Conquistados, os franceses ensaiaram um Vascô,
Vascô.

Humilhado pelo banho de bola, o time espanhol voltou para o segundo
tempo agressivo. Logo aos 8 minutos Mateos empatou, concluindo bela
jogada de Kopa. Empolgados e apoiados pela torcida que já havia
esquecido a exibição vascaína do primeiro tempo, os jogadores do
Real resolveram ganhar no grito: Gento agrediu Pinga com uma cabeçada
e o pau comeu durante 10 minutos. Praticamente sozinho o negão
vascaíno Ortunho botou o time espanhol p’ra correr.

Os ânimos haviam apenas serenado quando o mesmo Ortunho entrou duro
sobre Mateos, obrigando o jogador do Real a deixar o gramado. Como
os espanhóis já haviam feito as duas substituições regulamentares,
os dirigentes do Vasco se opuseram à substituição de Mateos, numa
atitude que não contribuiu em nada para acalmar os ânimos.

Com Mateos fazendo número (ou fingindo) a partida recomeçou e com
ela o domínio do Vasco. Até que aos 21 minutos veio o terceiro
gol. Uma obra de arte. Uma pintura digna de ser exposta no Louvre
(ou numa vitrine da Rua do Ouvidor). Em jogada sensacional, Válter
enfiou uma bola de curva para Livinho deslocado pela meia esquerda.
Este, cercado de espanhóis por todos os lados, não pensou duas
vezes: ao invés de tentar passar a bola para um companheiro
desmarcado, simplesmente optou pelo impossível. Com um toque leve
e sutil, quase diáfano, tocou pelo alto encobrindo o goleiro espanhol.

Conquistados, os franceses aplaudiram. Deseperados, os espanhóis
tentaram reagir na raça. Mas o Vasco tinha a partida nas mãos:
aos 39 minutos, numa jogada acrobática que provocaria sua contusão,
o meia Válter marcaria o quarto e último gol vascaíno.

Completamente abatido, o Real, num sobressalto de orgulho, se lançou
à frente com todas as forças, conseguindo diminuir o marcador através
de Kopa aos 44 minutos. A torcida, que no primeiro tempo tinha vibrado
com o Vasco mas que durante a briga apoiara os espanhóis, vaiou quando
após a saída a bola foi atrasada para o goleiro Carlos Alberto.

Depois do jogo, de cabeça fria, os franceses entenderam que tinham
visto um espetáculo raro, embora doloroso para eles: o baile que
os “sambistas” negros tinham aplicado no campeão europeu, considerado
o melhor time do mundo. Vale a pena reler o que escreveu no dia
seguinte Jacques Ferran no jornal l’Équipe:


“E então, bruscamente o Real desapareceu literalmente. Seriam as
camisas de um vermelho pálido ou os calções de um azul triste que
enfraqueciam a soberba equipe espanhola? Não; é que, antes,
apareceram subitamente do outro lado os corpos maravilhosos,
apertados nas camisas brancas com a faixa preta, de onze atletas
de futebol, de onze diabos negros que tomaram conta da bola e não
a largaram mais.


Durante a meia hora seguinte a impressão incrível, prodigiosa,
que se teve é que o grande Real Madrid campeão da Europa, o
intocável Real vencedor de todas as constelações europeias
estava aprendendo a jogar futebol”.

Por sua vez, o jornalista Gabriel Hanot, o mesmo que mais
tarde chamaria Pelé de Rei, admitia que o Real fora totalmente
dominado. No time do Vasco, a defesa com quatro zagueiros tinha
causado grande impressão, mas o destaque ficava mesmo para o
meio campo e para o ataque, onde Laerte, Livinho e Pinga tinham
dado um show de bola.

Do Real, só haviam escapado Kopa e Mateos. Ao grande Di Stéfano,
que sumiu do jogo após ter marcado o primeiro gol, restava a
frustração de mais uma derrota frente ao Vasco. Nessa suave noite
de glória para o futebol brasileiro, a grande estrela argentina
tinha sido ofuscada por um astro maior:
Válter Marciano.
O que Válter fez nesse jogo não pode ser descrito por palavras.
Quem viu, viu, quem não viu, não viu. Um futebol tão mágico que
levou Hanot a dizer dele que “jogou um jogo de ataque tal
como há muito tempo não se via na Europa”.

Quando penso nessa bela e inesquecível vitória vascaína me
pergunto até que ponto a magistral exibição de Válter não
acabou contribuindo para o desfecho trágico de sua breve
carreira. Comprado pelo Valência, o grande meia acabaria
morrendo num estúpido desastre de autómovel, deixando uma
enorme saudade no coração dos vascaínos. Mesmo daqueles
que, como eu, nunca o viram jogar.

O Vasco venceu com Carlos Alberto; Dario, Viana (Brito),
Orlando e Ortunho (Joaquim Henriques); Laerte e Válter;
Sabará, Livinho, Vavá e Pinga.
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O Real perdeu com Alonso; Torres, Marquitos,
Lesmes e Muñoz; Santamaria (Ruiz) e Mateos (Santisteban); Kopa, Di Stéfano, Rial (Marshal) e Gento.

Note-se que o único titular da defesa vascaína era Orlando. Além de
Coronel não ter podido jogar devido
a uma contusão, o Vasco viajava desfalcado de
Paulinho e
Bellini,
convocados para a seleção. Enquanto aguardavam os compromissos desta
pela Copa Roca e eliminatórias da Copa do Mundo e o resto do time
excursionava, os dois zagueiros e mais alguns reservas vascaínos
atuariam pelo Combinado Vasco-Santos, no Rio e em São Paulo,
por um torneio que nem chegou a terminar pelo fracasso de público.
Apesar disso, vale a pena observar que nestes jogos do Combinado um
desconhecido rapaz de 16 anos
(JPEG, 28k), futuro Rei
do Futebol, causaria sensação, a ponto de merecer a sua primeira
convocação.

Após conquistar o Torneio de Paris, o Vasco partiu para a Espanha, onde
deu seguimento à sua empolgante campanha dois dias depois,
com uma sensacional vitória sobre o Athletic Bilbao por 4×2 em
La Coruña, na disputa do
Troféu Teresa Herrera. Caíram então
sucessivamente o Valência por 3×1, em Valência; o Barcelona, por uma
homérica goleada de 7×2 em pleno Estádio Les Corts; novamente o Valência, por
2×1; em Portugal, o Benfica, por 5×2 no Estádio da Luz; e de volta a
Barcelona, o Espanyol, por 3×1. Nos cinemas espanhóis, os gols e lances
das vitórias vascaínas eram aplaudidos quando exibidos nos jornais da
tela.

Mais de um mês apos ter deixado o Brasil, o Vasco ainda deslocou-se
até a Uniao Soviética onde, já desgastado e desfalcado, foi derrotado
pelo Dínamo Kiev por 3×1, pelo Dínamo Moscou pelo mesmo placar e,
encerrando a longa e cansativa excursão em 14 de julho, pelo Spartak
por 1×0.