O milagre da dedicação
Vasco 2×1 Cruzeiro (Campeonato Brasileiro 1974)
Contém material publicado na Placar nº 229 de 9 de agosto
de 1974 e no Jornal dos Sports de 2 de agosto de 1974.
Qual seria o segredo do inesperado título do Vasco?
O futebol brasileiro ressurgiu com o Vasco nas horas de decisão: além
da ténica, o jogo corrido e limpo. E mais a garra. Foi assim que ele
chegou a final. sem timidez, sem retrancas absurdas. Voltado para o gol,
com o artilheiro Roberto.
(O milagre da dedicação; Placar – Aristélio Andrade e Luiz Arthur Turíbio)
A história da grande conquista do
Campeonato Brasileiro de 1974 pelo
Vasco é uma sucessão de vitórias consideradas impossíveis. Depois de
uma campanha regular nas diversas fases de classificação, mesmo tendo
que suportar sucessivos desfalques no seu elenco, o Vasco chegou em
ascensão ao quadrangular final, como vencedor de um grupo do qual também
participavam Corinthians, Atletico-MG, Vitória-BA, Operario-MT e
Nacional-AM.
Os vencedores dos outros três grupos foram Santos, Cruzeiro e
Internacional, todos temíveis adversários. O Santos, além de Pelé,
tinha Cejas, Marinho Peres e Edu. Clodoaldo ainda se recuperava da
contusão que havia impedido a sua participação na Copa de 1974. O
Cruzeiro, sem dúvida o melhor em termos de talentos individuais,
contava com Nelinho, Perfumo, Piazza, Zé Carlos, Dirceu Lopes (que
injustiça não ter ido à Copa) e Palhinha. O Internacional tinha o
embrião do grande time que seria o bicampeão brasileiro nos dois anos
seguintes, com Manga, Falcão, Paulo Cesar Carpeggiani e Valdomiro.
Na abertura do quadrangular, o Vasco venceu o Santos por 2 a 1 no
Maracanã. O jogo acabou sendo dificil, pois, saindo na frente com um
gol de Luiz Carlos, o Vasco tomou o empate numa cobrança de falta por Pelé
e, apesar de dominar o jogo, só foi desempatar a quatro minutos do fim
com um gol de
Roberto.
O segundo jogo seria no Mineirão, contra o favorito Cruzeiro, que vinha
de empatar com o Internacional. O repórter José Trajano, da revista
Placar, escreveu:
Nenhum cruzeirense acreditava em outro resultado que não fosse a
vitória. Mas o Vasco, mesmo depois de perder o primeiro tempo por 1 a
0, conseguiu empatar [com um gol de Alfinete] e, no último minuto,
o Cruzeiro começava a perder.
Tudo porque, a partir de uma decisão contestada de Sebastião
Rufino – ele não marcou um suposto pênalti em Palhinha -, o dirigente
Carmine Furletti invadiu o campo para agredir o juiz e o técnico
Hílton Chaves fez o mesmo com um bandeirinha. O erro teria as
mais graves repercussões a partir do instante em que o Vasco, depois
de empatar com o Inter, no Maracanã, viu-se obrigado a disputar uma
partida-extra com o Cruzeiro para chegar ao título. De acordo com
o regulamento, o jogo seria no Mineirão.
De fato, teria bastado ao Vasco vencer o Internacional no Maracanã para
sagrar-se campeão, independentemente do resultado de Santos x Cruzeiro
(disputado à mesma hora e que acabou sendo vencido pelo time mineiro). Com
menos de 20 minutos, o Vasco já vencia por 2 a 0, gols de Roberto e
Zanata. Ao fim do primeiro tempo, o Vasco estava com uma tremenda pinta
de campeão. No segundo tempo, todavia, relaxou e complicou o jogo fácil,
levando dois gols bobos nos últimos 20 minutos.
Com esse empate, o Vasco terminou empatado com o Cruzeiro e teria
que ir novamente ao Mineirão para uma partida-extra. Mas o artigo 59
do Regulamento da competição, conhecido por todos os clubes desde
antes do seu início, dizia claramente o seguinte:
Quando houver tentativa de agressão ou agressão, por parte do público
ou de qualquer dirigente, associado ou empregado das associações locais,
ao árbitro, seus auxiliares, dirigentes, empregados ou jogadores da
associação visitante, o Departamento de Futebol da CBD reestruturará
a tabela do Campeonato, invertendo o mando de três dos jogos subsequentes
da associação local.
Ainda do artigo da Placar:
O Vasco entrou com um protesto junto à CBD pela manutençãao do jogo em
Belo Horizonte. O local teria que ser mudado pela infração cometida por
Carmine Furletti e Hílton Chaves. O Cruzeiro, já na defensiva, entrou
com um recurso contra o protesto do Vasco. A CBD resolveu então não
decidir coisa alguma, ou melhor, transferiu qualquer decisão para depois
do julgamento de Carmine Furletti e Hílton Chaves. Ficou evidente para
os homens do Cruzeiro que uma decisão tomada após o julgamento dos
incidentes de Belo Horizonte levaria o jogo para o Rio – como exigia o
Vasco, amparado pelo Regulamento. Foi quando os dirigentes do Cruzeiro
resolveram jogar no Maracanã – o Vasco vencia mais uma batalha.
No dia seguinte da decisão, o Jornal dos Sports publicava na sua
primeira página
(JPEG, 83k):
CRUZEIRO PERDEU TAMBÉM NO CAMPO: 2 A 1. GB CAMPEÃ DO BRASIL
VASCO MACHÃO, UAI
O restante da página apresentava uma sequência de fotos do histórico gol
do título, marcado por Jorginho Carvoeiro.
Na última página, a reportagem sobre a partida:
Depois de uma tremenda guerra de nervos, que durou 25 minutos, tempo
no qual as duas equipes recusaram-se a entrar em campo na frente, Vasco
e Cruzeiro entraram praticamente juntos. Os vascaínos
(JPEG, 45k) com seu uniforme
todo preto, constrastando com o branco usado pela equipe mineira.
O Vasco deu flores e um cartão de prata ao Cruzeiro. Também coube ao
representante carioca a saída de jogo. Mas do outro lado estava a
patota de Dirceu Lopes, cheia de qualidade individual e
disposição. E exatamente por isso, foi o Cruzeiro que mandou em campo,
nos primeiros 10 minutos.
Caracterizou-se, então, a eficiência da defesa carioca, outra vez em
noite de alta segurança, reforcada com a volta de
Moisés e Alfinete. O
jogo estava nervoso, mas o Vasco contra-atacava com real perigo. A
rigor, o Cruzeiro teve a bola mais tempo dominada, mas foi o Vasco que
ameaçou com maior intensidade.
Enquanto
Andrada a rigor não foi empenhado, o goleiro Vítor teve que
fazer uma série de difíceis defesas. Aos 6 e 7 minutos, o Vasco teve
duas chances, com Jorginho e Roberto. Muito bem no meio-campo, firme
na defesa e insinuante no ataque, o Vasco começou a aparecer em campo.
E aos 14 minutos, conseguia o seu primeiro gol, na cobrança de uma
falta, por Zanata, na direita. A bola veio para Fidélis, que chutou
com força para o meio da área. Na confusão, a bola estourou em Darci
Meneses e sobrou para Ademir, que bateu de bico, sem chances para Vítor.
O Vasco estava melhor em campo, apesar do nervosismo de alguns jogadores,
especialmente Ademir, que acabou levando um cartão amarelo, aos 20
minutos. Quase que Zanata, aos 24 minutos, repetia o lance do segundo
gol contra o Internacional, chutando de longe e obrigando Vítor a um
esforço muito grande.
Aos 27 minutos, Jorginho mandou a bola ao barbante, mas o lance estava
paralisado, pela marcação de impedimento do atacante. Palhinha reclamou
aos 34 minutos e recebeu, também, o seu cartão amarelo.
O primeiro tempo terminou com a nítida superioridade vascaína. Sua
torcida vibrava no Estádio Mário Filho, mas no ar havia o respeito ao
time mineiro e a lembrança do empate de domingo, quando o Vasco saiu
com 2 a 0 ao seu favor e acabou cedendo o 2 a 2.
O Cruzeiro voltou com toda a disposição no segundo tempo, como já era
esperado, e aos 3 minutos quase empatou, quando Zé Carlos chutou errado.
Mas o Vasco continuava firme, apesar do susto que sofreu quando Andrada
sentiu a coxa direita.
Aos 14, um minuto após perder o empate numa cabecada de Roberto Batata,
o técnico Hilton Chaves colocou Joãozinho no lugar de Palhinha, mexendo
em todo o ataque mineiro.
O Vasco não se limitava a defender somente. Pelo contrário, buscava o
segundo gol. E quase que Roberto conseguiu, aos 17 minutos. Neste
período, a torcida carioca sofreu bastante, vendo Andrada e Moisés
sentindo visivelmente em campo.
E justamente por estar sem condições é que Andrada sofreu o gol de
empate, aos 19 minutos, quando Nelinho chutou violentamente de fora
da área. Foi uma falha capital para o Vasco.
Mas o Vasco estava disposto a não deixar escapar a sua segunda chance.
Nas arquibancadas, sua torcida confiava no time e começou a empurrá-lo,
gritando muito. E o sofrimento não iria demorar muito, pois aos 36
minutos, Jorginho Carvoeiro explodiu o Estádio Mário Filho de alegria
vascaína.
A jogada começou com Alcir, que lançou Jorginho em excelente posição.
O atacante ainda trombou com Vítor, mas a bola sobrou livre para o
ponta direita, que bateu a meia altura. Era o gol do desempate
(RA, 133k).
O gol do Campeonato Nacional. No Estádio Mário Filho, mais de 100 mil pessoas
faziam um coro só: Vascoooo.
Antes mesmo que Armando Marques apitasse o final do jogo, a torcida
vascaína explodiu e o Mário Filho viveu um dos seus maiores momentos de
vibração. E durante os seguintes 20 minutos, os torcedores mantiveram-se
todos em seus lugares, aos gritos de casaca, enquanto
os campeões brasileiros davam a tradicional volta olímpica e Alcir
subia a Tribuna de Honra, onde recebeu a Taça de Prata das mãos do
Presidente Otávio Pinto Guimarães.
VASCO 2 X 1 CRUZEIRO
Times: VASCO – Andrada; Fidélis, Miguel, Moisés e Alfinete; Alcir,
Zanata e Ademir; Jorginho, Roberto e Luiz Carlos. Técnico: Mário
Travaglini. CRUZEIRO – Vítor; Nelinho, Perfumo, Darci Meneses e
Vanderlei; Piazza, Zé Carlos e Dirceu Lopes; Roberto Batata,
Palhinha e Eduardo. Técnico: Hílton Chaves.
Local: Estádio Mário Filho.
Juiz: Armando Marques, auxiliado por Oscar Scolfaro e José Favile
Neto.
Renda: Cr$ 1.413.281,50, com 112.933 pagantes.
(Ingresso: JPEG, 23k)
1º tempo: Vasco 1 a 0, gol de Ademir aos 14 minutos.
Final: Vasco 2 x Cruzeiro 1, gols de Nelinho, aos 19, e Jorginho, aos 33.
Substituições: No Cruzeiro, Joãozinho na vaga de Palhinha e Baiano no
lugar de Eduardo.
Atuações pelo Vasco:
ANDRADA – não teve muito trabalho no primeiro tempo. Depois, quando
foi mais exigido, fez algumas boas defesas, mas bobeou no gol do
Cruzeiro, pois o chute de Nelinho era defensável.
FIDÉLIS – um dos destaques do time. Firme na marcação e incansável
no apoio do ataque, levando sempre a equipe para a frente.
MIGUEL – merece os maiores elogios pela segurança apresentada em todo
o jogo. Está em excelente forma e pelo seu setor muito pouco os
jogadores adversários conseguiram.
MOISÉS – perfeito no primeiro tempo, caindo um pouco de produção no
final, talvez por ter sentido a perna esquerda no intervalo.
ALFINETE – excelente na marcação, não dando vantagem aos adversários.
No apoio pareceu bastante consciente, somente avançando quando
podia.
ALCIR – plantado a frente dos zagueiros, foi um dos melhores do time.
Atuou com seriedade, mesmo no período de pressão do Cruzeiro.
ZANATA – pode ter demorado um pouco, mas o que ele realizou na partida
de ontem justificou inteiramente o título de “Zanata-74”, que ele
recebeu no início de sua carreira. Excelente, em todos os sentidos.
Não apenas o melhor do Vasco, mas o destaque da partida.
ADEMIR – com sua habilidade, confundiu várias vezes os adversários.
Além disso, esteve presente em todas as jogadas de área e marcou um
bonito gol.
JORGINHO – outro que merece os maiores elogios. Fez jogadas sensacionais
pela ponta-direita, além de combater e marcar o segundo gol.
ROBERTO – não teve chance de marcar o seu gol, por causa da marcação,
mas nunca deixou de dar trabalho aos adversários dentro da área.
LUIZ CARLOS – o segundo melhor do time. Foi agressivo quando pôde e
incansável na marcação aos adversários, quando recuava para combater.
O destaque mineiro foi Nelinho, que fez o gol e muito mais.
Placar arremata:
O Vasco mereceu? O Vasco é melhor time do que o Cruzeiro? Merecer,
mereceu muito. E não se diga que o Vasco é um timinho. Andrada foi
da Seleção Argentina, Peres, da Portuguesa. Fidélis, Moisés,
Miguel,
Zanata e Luiz Carlos já foram cogitados para a Brasileira, alguns
até já jogaram nela. Roberto é o artilheiro do Brasileiro. Mais:
Para chegar ao título, no transcorrer da disputa o Vasco venceu e
empatou com o melhor time gaúcho, o Inter, venceu o melhor time
paulista, o Santos, empatou duas vezes – em Salvador – com o melhor
time baiano, o Vitória, e venceu e empatou com o melhor time mineiro,
o Cruzeiro. Quanto a ser melhor ou pior que o Cruzeiro, um time não
reflete apenas a qualidade ténica de alguns de seus jogadores, mas a
soma de uma série de fatores – técnicos e emocionais – que o condicionam
dentro e fora de campo. E o Vasco foi superior ao Cruzeiro na decisão.