Ao longo de 2 horas e 10 minutos de conversa, o empresário americano detalha sua dedicação à prevenção da manipulação de resultados, defende-se do que considera perseguição do STJD e de outros dirigentes, anuncia seus planos de abrir o capital de sua holding na Bolsa de Valores, revela que está prestes a lançar um documentário sobre 2023 e antecipa um grande desafio para o futebol brasileiro:
– O Brasil trouxe o dinheiro do petróleo para casa. Se não agirmos, se não estabelecermos um limite salarial, o Bahia [integrante do Grupo City, financiado por Abu Dhabi] conquistará todos os campeonatos por 20 anos seguidos.
**Dados sobre John Textor:**
– Nome completo: John Charles Textor
– Nascimento: 11 de novembro de 1964, em Kirksville, Missouri (EUA)
– Profissão: empresário, acionista majoritário e presidente da Eagle Football, principal acionista do Botafogo, Lyon (França), RWC Molenbeek FC (Bélgica) e Crystal Palace (Inglaterra)
**Entrevista com John Textor**
Qual o potencial de crescimento do Botafogo em 2024?
— Ainda é cedo para fazer previsões. Considerando o que ocorreu em 2023, nossa intenção era competir e alcançar o topo rapidamente. Há várias equipes fortes na ponta da tabela, com uma diferença mínima de três pontos, mas é gratificante estar lá.
O que esperar do jogo contra o Palmeiras nesta quarta-feira?
— Esperamos um estádio lotado. Antes, quando montávamos esse elenco, ter a casa cheia nem sempre era algo positivo (risos). Mas hoje é diferente. É uma celebração. Os torcedores se sentem parte integrante de tudo.
Há um sentimento de revanche?
— Há intensa ambição, não revanchismo. Quaisquer questões fora de campo que possam alimentar esse sentimento não têm relação com os jogadores. Admiro o Abel [Ferreira]. Tentei contratá-lo, mas ele recusou várias vezes. Os jogadores e a base [do Palmeiras] são extraordinários. Investimos milhões em contratações para competir com jogadores formados na própria base deles, pois estamos iniciando nesse processo. Eles são favoritos todos os anos, então queremos vencer o melhor time.
Botafogo, Palmeiras e Flamengo são os favoritos?
— Não estamos desempenhando no nível que poderíamos. Temos um excelente treinador, que é muito competente no trato com os jogadores e no vestiário. Estamos adotando um novo sistema, distinto do que tínhamos antes. Jogadores e treinador estão confiantes e projetam brigar pelo título. Mas, acima de tudo, sou um torcedor e assisto às partidas como qualquer outro. Não crio expectativas, apenas busco aproveitar a jornada.
Qual a sua avaliação desde que chegou ao Brasil?
— Voltando ao dia 11 de março de 2022, quando assinamos o contrato de aquisição, tínhamos apenas quatro jogadores com experiência na Série A a cinco semanas do início do Brasileirão. Olhando para esse dia, percebo a importância de permanecermos na primeira divisão. Recebi várias críticas de torcedores cobrando um time competitivo. Refletindo sobre o último ano, reconheço erros cometidos, o desfecho terrível da temporada. Reclamei de diversas situações envolvendo a manipulação de resultados, porém, poderíamos ter vencido uma partida no final da temporada. Bastava segurar uma vitória por 1 a 0. Estou bastante orgulhoso agora. Os profissionais, da cozinha à comissão técnica, merecem destaque por seu empenho diário no trabalho. Poderia ter ficado em minha casa nos Estados Unidos e me isentado, mas veja onde estamos hoje. Temos uma nova oportunidade.
A partir de sua perspectiva, o que mudaria em 2023?
— Deveria ter mantido Bruno Lage. Ele enfrentou dificuldades devido à intensidade do futebol brasileiro nas coletivas. Um excelente treinador, ele não foi assimilado pelos jogadores. Estes simplesmente queriam jogar futebol, enquanto Lage trouxe muitos ensinamentos e conceitos ao dia a dia. Creio que poderia ter auxiliado nesse sentido. Ele teria conquistado os seis pontos que precisávamos para o título, teria encontrado uma solução. Pode gerar polêmica, é fácil se frustrar com a pessoa, não é que tivemos maus treinadores depois, porém, a falta de continuidade foi culpa minha.
Valeu a pena falar sobre corrupção e manipulação de resultados?
— Há bastante discussão nos programas esportivos sobre os problemas que causo no país. Ninguém deveria se envergonhar disso, pois ocorre em todo lugar. A empresa que nos apoia, a Good Game, monitora Roland Garros, um jogador da NBA foi banido [Jontay Porter]. Sinceramente, acredito não ter cometido muitos equívocos.
Mudaria alguma abordagem em relação ao tema?
— Eu poderia ter apresentado o argumento de forma diferente, sem ser tão específico. A situação atual é lamentável. Pela primeira vez, o denunciante é acusado. Como sei que existe corrupção no futebol? Porque Leila e Ednaldo me contaram. Ambos anunciaram uma força-tarefa contra manipulação em Wembley, em março, véspera de um amistoso da seleção. Por que necessitam de uma força-tarefa se não há manipulação no Brasil? Por que o estrangeiro é o alvo por trazer questões ao Brasil, sendo um problema global? Já foi admitido aqui e a CBF se reúne com representantes de outros clubes, mas não conosco? Anunciaram a força-tarefa por receio de manipulação no Paraguai, Guatemala ou Turquia? Não, a preocupação é interna.
Arrepende-se de citar São Paulo, Fortaleza e jogadores específicos desses times?
— Fui compelido a fazê-lo. O STJD não é um tribunal de fato. Acredito que tudo deveria estar nas mãos de um promotor autêntico. Mantive os nomes dos jogadores em confidencialidade ao STJD, entreguei de modo sigiloso. A partir desse momento, fui perseguido, na mídia, por Leila. “Apresente as provas! Mostre os nomes!”. Desconheço o responsável pela manipulação nessas partidas. Não posso afirmar por que ocorreu, qual a motivação. Por paixão? Por amor? Por dinheiro? Desconheço. Mas Leila não deveria liderar a acusação contra mim, exigindo a exposição de evidências. O Palmeiras poderia estar envolvido, assim como o São Paulo. Talvez um apostador, uma casa de apostas possa estar envolvido na investigação. Não tinha alternativa senão apresentar as provas.
Qual sua opinião sobre a decisão judicial envolvendo Vasco e 777?
— Conhecendo os investidores por trás da 777, penso que o que ocorreu de errado no Brasil pode acarretar graves consequências para o país. O clube social foi à justiça e tomou controle da agremiação. Embora possa haver razão quanto aos problemas na 777, acredito que deviam aguardar a violação de alguma cláusula do contrato.
— O dinheiro por trás da 777 permanece robusto e bem capitalizado. É uma grande empresa de seguros. Caso optem por honrar o contrato, têm recursos financeiros para tal. Logo que as dificuldades surgiram com a 777 pelo mundo, esse grupo assumiu o controle e está pronto para cumprir com suas obrigações.
— Há algo peculiar ocorrendo no Brasil, incomum sob a ótica americana, em que as pessoas podem procurar um juiz em uma sessão sigilosa e alegar “Veja, é evidente o que estamos dizendo”. As partes adversas não são convocadas a se defender, e o juiz decide transferir o comando do clube. É insólito. Há um investidor bilionário legítimo por trás do Vasco. A pessoa que injetou recursos na 777 e efetivamente é a proprietária dos ativos agora.
— Para encerrar, digo que o que aconteceu com o Vasco poderá gerar futuros problemas. Tornar-seá doloroso para as pessoas confiarem em investir no Brasil. Este é um fato que me preocupa profundamente.
O Botafogo pretende contratar mais jogadores?
— Sim. Porém, evito mencionar nomes para não implicar negativamente nenhum jogador em particular. Nossos fiéis torcedores discernem as brechas na equipe. Planejamos algumas mudanças. Possuímos várias opções no ataque, especialmente com os reforços recentes como Igor Jesus, o talentoso meia Allan e, é claro, Thiago Almada. Defensivamente, estamos analisando possibilidades.
O Botafogo planeja negociar jogadores?
— É habitual haver uma rotatividade, com entradas e saídas a cada janela de transferências. Não necessariamente se trata de venda, mas podem ocorrer empréstimos para permitir que os jovens ganhem mais minutos em campo. Estamos satisfeitos com nosso elenco. Possuímos jogadores de qualidade e estudamos como potencializá-los. Trouxemos Carlos Alberto de volta. Ele é um jogador que admiro bastante, e todos têm apreço por ele. Um atacante de grande potencial. A volta de Matías Segovia é uma ótima notícia e reflexo de algumas lesões que estamos contornando. Precisamos avaliar o desenvolvimento dos jovens jogadores. Consideramos que estes dois atletas possuem grande valor para o mercado europeu. Não projetamos necessariamente o empréstimo deles. É apenas um exemplo do que fazer quando temos muitos jogadores à disposição. Atualmente, estamos formando um elenco bastante competitivo.
O quanto se envolve pessoalmente nas decisões táticas da equipe?
— Estou envolvido em todos os aspectos. Assisto a tantos jogos, no campo ou por vídeo, quanto qualquer integrante da equipe, com exceção de nosso departamento de scout, que avalia muito mais partidas do que eu. Essa imersão me permite fazer as perguntas pertinentes. Na Eagle, posso contactar Dougie Freedman, do Crystal Palace, por exemplo, e perguntar sobre um jogador do Brasil. Ele já está familiarizado com o país todo. Alessandro Brito é o líder aqui no Botafogo. Temos uma comunicação fluida quando se trata de jogadores de alto rendimento. Recebo feedbacks de Matthieu Louis-Jean, do Lyon. Portanto, quando questionam meu envolvimento, estou no meio desse processo, reunindo opiniões. Contudo, não sou eu quem toma as decisões táticas. Elas cabem aos profissionais. Eu incentivo a colaboração entre eles.
O que pensa do calendário brasileiro após ficar um mês sem poder contar com Savarino, que disputava a Copa América?
— Como estrangeiro, assumi problemas suficientes para um ano. A situação é melhor gerenciada na Europa, que alinha todos os calendários. Temos um calendário oposto ao resto do mundo, o que nos coloca em posição delicada com a Copa América. Foi lamentável não poder contar com Savarino, um dos principais jogadores. Fomos obrigados a usar Tchê Tchê na ponta-esquerda. Admiro-o e reconheço sua qualidade, mas não é atacante. A duração dos jogos e o tempo parado também são preocupantes. Admiro o Campeonato Carioca, no entanto… é uma temporada longa, com participação na Copa do Brasil, Libertadores. Acredito que em um bom ano o Palmeiras dispute mais de 60 jogos. Sem dúvida, é um desafio, mas não conseguir alterar o que já está estabelecido. Já tenho muitos marcos a superar.
Se pudesse escolher apenas um troféu para vencer, qual seria?
— Diria que o Campeonato Brasileiro.
Se tivesse a oportunidade, sem limitações orçamentárias, de contratar um jogador, quem escolheria?
— Bernardo Silva. Ele é meu jogador favorito no mundo. Ele não tem conhecimento disso e não se importaria, mas é o tipo de jogador que admiro. Valorizo esse perfil de atleta para nós. E por isso temos Thiago Almada. Por isso contratamos Matías Segovia, uma versão jovem e em desenvolvimento de Bernardo Silva. Um jogador extremamente talentoso, que aprecia ter espaço, capaz de vislumbrar o campo e encontrar seus companheiros.
Qual torneio mais lhe agradou entre a Copa América e a Euro?
— Preferi a Euro. Fiquei desapontado com a seleção dos EUA. É empolgante ver as seleções sul-americanas em destaque, enquanto os EUA foram rapidamente eliminados. Sobre o Brasil, prefiro não opinar, mas houve grande desilusão. A qualidade dos talentos era excepcional, e agora estamos em casa.
Há alguma pergunta que não foi feita e gostaria de responder?
— Gostaria de abordar um tema específico. Estou aqui para me divertir, mas também para defender meu clube. Sabia que esse dia chegaria. Acreditava que era um jogo de xadrez que venceria. Leva tempo, quando seu oponente é a corrupção, para perceber que levará um xeque-mate. Ainda não sabe disso. Então, comecei a planejar algo que posso anunciar hoje. Estamos produzindo um documentário muito bem financiado, que será distribuído globalmente. Chama-se “Time to Set Fire”. Botafogo, como sabem, significa exatamente isso. Ganhou um novo significado para mim. Percebi que devia queimar a casa da corrupção.
— É a narrativa sobre a ascensão de um grande clube, que já foi um dos maiores na história do Brasil… [Emociona-se] Está acontecendo de novo… É sobre a trajetória de um grande clube, vencedor de importantes campeonatos, formador de jogadores para a Copa do Mundo, de grandes nomes da história do Brasil e que ficou tão próximo de recuperar a grandiosidade pela primeira vez desde os tempos de Montenegro e do título marcante de 1995. Porém, isso não ocorreu. Foi doloroso. Fomos do melhor primeiro turno da história do Campeonato Brasileiro para o pior colapso da história do futebol. Assim é mencionado fora do Brasil.
— E não permitirei que essa narrativa se perpetue. Por isso, “Time to Set Fire” é sobre o que aprendemos aqui. Não apenas no Brasil, mas no restante do mundo. Pois a manipulação de resultados é um problema global, presente em todos os esportes, incluindo o futebol. Quando o documentário estiver pronto, não será sobre “Você conhece aquele estrangeiro que reclama do campeonato perdido”, mas sim sobre como o Brasil deu o exemplo para limpar o mundo dessa praga, do mal da manipulação de resultados.
— Não há motivo para temer o filme que vou produz