Em um momento em que a injustiça e o racismo são amplamente debatidos, Léo se destaca como uma das vozes mais marcantes. Sua determinação impressiona, assim como a maioria esmagadora dos jogadores de futebol no Brasil, ele também vem de origens humildes e superou desafios para se tornar uma referência no esporte. Nascido em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, ele venceu e quer deixar um legado.
Embora se entristeça pelo fato de ser ouvido apenas por ser jogador de futebol famoso, no Vasco, um clube que enfrenta preconceitos, Léo encontrou seu espaço. Ele é um dos “camisas negras” do clube de São Januário.
“Quando você é reconhecido e tem visibilidade, as pessoas te tratam de forma diferente. Isso é um erro. Devemos valorizar as pessoas pelo que são, não pelo que têm. Por isso, tenho carinho por jogadores, porteiros, craques, não craques. Trato as pessoas como quero ser tratado. É uma pessoa normal como eu. Condição financeira define alguém? Esse é o grande erro. O importante é o legado que quero deixar. Minhas filhas estão crescendo. Que tipo de pessoa o pai delas é? Isso é o que quero deixar para a sociedade. Antes dos bens materiais, seja uma pessoa melhor”, disse em uma entrevista exclusiva à Itatiaia.
Quando ainda era criança e atuava pelo Litoral, clube da cidade de Santos, Léo enfrentou o preconceito. Naquela época, o jovem humilde da Baixada Fluminense ainda não compreendia totalmente o que estava enfrentando.
“Em Santos, quando eu era mais novo, fui expulso de um shopping por causa da minha cor. Naquela idade, não conseguia compreender muito bem”, lamentou.
Luta pela igualdade e pelo Vasco
Como capitão do clube, Léo enfrentou mais preconceito, dessa vez vindo dos próprios torcedores vascaínos. Após a invasão da torcida em 22 de junho do ano passado, depois de uma derrota para o Goiás, o Vasco sofreu duras punições.
A justificativa foi a periculosidade da região que abriga o Estádio de São Januário, o que levou o local a ser fechado por mais de três meses. Léo lutou e mostrou que é mais do que apenas mais um na batalha contra o preconceito que permeia a sociedade brasileira.
“Foi uma luta dentro e fora de campo no ano passado. Tenho muito cuidado com minhas respostas. Observo as situações e comento de forma coerente. Nos últimos anos, o Vasco tem sofrido muito. Não é apenas dentro de campo. O clube está constantemente lutando para não ser prejudicado. Vocês da imprensa acompanham de perto. É uma luta. Um clube com a história do Vasco não merece isso. Sua história é fantástica. Peço mais sensibilidade. Sejam mais brandos com o Vasco. É uma luta constante, mas não quero enfatizar isso demais para não parecer desculpa. Está claro para todos”, desabafou.
Decisões equivocadas contra o Vasco
Recentemente, o Vasco sentiu-se prejudicado em vários confrontos do Campeonato Carioca, inclusive no clássico contra o Fluminense, o que levou o clube a emitir uma nota de repúdio contra a arbitragem.
Isso incomodou Léo. O número 3 prefere não acreditar em más intenções, mas pede mais seriedade e aprimoramento para os responsáveis pelo futebol.
“Foram erros evidentes. Não quero inferir que foi de má fé, porque pode ser corrigido. Nós cometemos erros dentro de campo. Todo mundo tem o direito de errar. Mas é preciso reconhecer quando erramos. Posso cometer erros, mas tenho que ter humildade para reconhecê-los e melhorar. Assumir o erro. Buscar aprimoramento. Quando erro um passe, devo treinar para não errar mais, correto? É assim que penso no futebol e na vida”, opinou.
Caminhos entrelaçados
Indiscutivelmente, a identificação de Léo com o Vasco vem de sua luta contra o preconceito. Parece que o clube e o zagueiro nasceram um para o outro. Não é à toa que ele é um dos poucos a ter acesso à carta que foi chamada de Resposta Histórica.
“O Vasco foi o clube mais profundo. Me deram a chance de abrir a carta histórica. Parecia cena de filme. Tava dentro de um cofre, tinha que colocar luva… Era muito diferente. Tive o prazer de ver aquilo. Teve funcionário que é apaixonado e nunca viu. Brinquei com vários, que tinham 20 anos de clube e nunca viram de perto (risos). Por isso que sempre toco na história dos Camisas Negras e na parte histórica do Vasco. Pude conhecer o Vasco da forma mais profunda e bonita”, contou.
Significado da Resposta Histórica
Um clube de origem proletária, o Vasco enfrentou o preconceito em 1924, quando estava vivendo um grande momento, conquistando o bicampeonato carioca naquela temporada. Incomodados, os rivais decidiram atacar a origem do grupo que encantava o Rio de Janeiro.
O Vasco era conhecido como os “Camisas Negras”. Os dirigentes dos clubes rivais decidiram investigar as atividades profissionais e sociais, uma vez que o futebol era amador naquela época e os jogadores não podiam receber salário. O Vasco classifica o episódio como um golpe para impedir mais um de seus triunfos.
Para o clube, o que incomodava os rivais era a origem dos jogadores: um time formado por negros, mulatos e operários, recrutados das áreas carentes do Rio de Janeiro.
Uma nova liga foi criada e o Vasco foi forçado a excluir doze jogadores de seu elenco. Segundo os dirigentes adversários, o time cruzmaltino era composto por atletas de caráter duvidoso e o clube não tinha um estádio em boas condições.
Coincidentemente, os doze jogadores que seriam excluídos eram negros e trabalhadores. O clube negou as acusações e veio a famosa Resposta Histórica, através do presidente José Augusto Prestes.
Leia na íntegra a Resposta Histórica do Vasco*
“Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.
Ofício No 261
Excelentíssimo Senhor Dr. Arnaldo Guinle,
Meritíssimo Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos.
As resoluções divulgadas hoje pela imprensa, tomadas em reunião de ontem pelos altos poderes da Associação que Vossa Excelência tão dignamente preside, colocam o Club de Regatas Vasco da Gama em uma situação de inferioridade que não pode ser justificada, nem pelas deficiências de nosso campo, nem pela simplicidade de nossa sede, nem pela condição modesta de grande número de nossos associados.
Os privilégios concedidos aos cinco clubes fundadores da A.M.E.A., e a maneira como será exercido o direito de discussão e voto, e feitas as futuras classificações, nos obrigam a registrar nosso protesto contra as citadas resoluções.
Quanto à condição de eliminarmos doze de nossos jogadores das nossas equipes, a diretoria do C.R. Vasco da Gama decidiu por unanimidade não aceitar, por não concordar com o processo de investigação das posições sociais desses nossos sócios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram representação nem defesa.
Estamos certos que Vossa Excelência será o primeiro a reconhecer que seria indigno de nossa parte, sacrificar o desejo de fazer parte da A.M.E.A., alguns dos que lutaram para que obtivéssemos, entre outras vitórias, o Campeonato de Futebol da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.
São esses doze jogadores, jovens, quase todos brasileiros, no início de sua carreira, e o ato público que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles com tanta bravura cobriram de glórias.
Nesses termos, sentimos ter que comunicar a Vossa Excelência que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.
Queira Vossa Excelência aceitar os protestos da maior consideração e estima de quem tem a honra de subscrever de Vossa Excelência, Atenciosamente, Obrigado.
(a) José Augusto Prestes
Presidente”
*escrita com a gramática da época
Fonte: Rádio Itatiaia