O primeiro contato telefônico do Vasco não foi muito encorajador.
– Não se tratava de uma aventura, mas sim de um desafio. Poderia ter escolhido outro destino por diferentes motivos, contudo, minha paixão pelo futebol me motivou. Quando se é apaixonado por futebol, você deseja atuar em clubes como esse, com torcedores como esses, em um país como esse. Foi mais do que um desafio quando me ligaram e disseram: “Estamos com nove pontos e precisamos nos manter na série” – lembrou Payet em sua primeira entrevista exclusiva a um veículo de imprensa brasileiro.
– Meu pai perguntou: “Por que está indo para lá? É impossível”. Muitas pessoas me disseram que era impossível. Mas aceitei.
Antes de aceitar a proposta do Vasco, Payet hesitou. Não por conta da situação caótica do time, mas por motivos pessoais. Casado com Ludivine há mais de 15 anos, o jogador é pai de quatro filhos e priorizou a família em sua primeira conversa com o clube brasileiro. Sua esposa, que recebeu diversas mensagens de torcedores vascaínos nas redes sociais, viabilizou o sonho do marido.
– É a primeira vez que estou longe deles. Conheci minha esposa há 15 anos. Estivemos sempre juntos com nossos filhos, não importava onde estivéssemos. Contudo, devido à escola das crianças e aos projetos futebolísticos delas (um dos filhos seguindo os passos do pai), não foi possível trazê-los. – afirmou Payet, que completou:
– Minha primeira resposta foi não. Era uma situação muito complexa. Com o passar das semanas, quando minha esposa percebeu meu real desejo de estar no Brasil e jogar futebol, foi algo extraordinário para mim. Ela disse: “Vá em frente. Eu cuido de tudo. Eu cuido deles”. Se estou aqui hoje, é graças a ela. Ela permitiu tudo que estou vivendo aqui.
Payet reside sozinho no Rio de Janeiro, porém recebe com frequência visitas da família. A esposa e os filhos vêm ao Brasil praticamente a cada três meses.
Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil
Com vínculo até junho de 2025, Payet já cumpriu seu primeiro objetivo no Vasco: auxiliar na permanência do time na série no último ano. Devido às adversidades enfrentadas na última temporada, o meio-campista pede calma aos colegas e torcedores em 2024. Contudo, enxerga possibilidade de ir mais longe em uma das competições em que o clube está inserido.
– Precisamos manter o equilíbrio emocional e a humildade. Por cerca de 15 minutos, estivemos na zona de rebaixamento. Seria loucura afirmar que brigaremos pelo título, pelas primeiras colocações… Reforçamos a equipe nesta temporada. Estamos entrosados, alcançamos juntos a meta do ano anterior. Atualmente, temos um grupo em evolução. Ainda há melhorias a serem feitas. Creio que o objetivo que estabeleceremos é garantir nossa permanência na Série A o mais rapidamente possível. Se restarem partidas e pudermos almejar algo mais, será um bônus.
– Acredito que este ano nosso foco será progredir o máximo possível na Copa do Brasil, o que é viável, pois a competição possui dinâmica distinta. Claro que entramos em campo para vencer. Quando se inicia a competição, é com o intuito de ser campeão. Todavia, no Brasileirão, é fundamental manter o equilíbrio emocional. Não podemos almejar o topo considerando o que aconteceu no ano passado, mesmo que nada seja impossível. Portanto, é importante não pular etapas e não se precipitar no processo de retorno ao topo ao longo do tempo.
Identificação com Dinamite
Em novembro de 2023, Payet protagonizou seu gol mais belo até o momento com a camisa do Vasco. A equipe venceu o América-MG por 2 a 1 em São Januário, com um gol de falta do francês aos 48 minutos do segundo tempo. Na celebração, apontou para a imagem de Roberto Dinamite estampada na manga da camisa, gesto que emocionou a torcida.
– Não foi planejado. Naquele dia, quando cheguei ao estádio, havia um grande envolvimento. Eu não compreendia, mas sabia que era um dia especial, uma homenagem especial a ele e outros. Ao marcar o gol, foi um momento marcante. Durante toda a partida, o via nas arquibancadas, no mosaico, em minha camisa, e, então, não sei… Foi a primeira coisa que me veio à mente.
A cobrança de falta, inclusive, foi comparada por torcedores do Vasco ao último gol de falta marcado por Roberto Dinamite, contra o América de Três Rios, em 2 de setembro de 1992. A posição e o local onde a bola entrou apontaram semelhanças entre os lances. Rodrigo Dinamite, filho do maior ídolo do clube, estava presente no estádio e se comoveu com as homenagens.
– Eu não sabia, porém é fato que no mesmo local, no mesmo estádio, seu último gol também foi semelhante. A probabilidade é incrível, a história é magnífica. É um momento de grande significado, pois você pensa consigo mesmo: “Confiam em você para vestir esta camisa, com a imagem do ídolo do clube”. Farei o máximo para honrar sua memória, sua família e sua contribuição ao Vasco.
– Assim como disse o filho de Dinamite, tenho a sensação de que foi seu pai quem finalizou, não eu. Pois houve uma falta três minutos antes, que finalizei contra a barreira ou por cima dela. São situações inexplicáveis, contudo as emoções são muito intensas.
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ge: você possui um terço consigo em todos os lugares no Vasco. Inclusive, segura-o enquanto conversa conosco. Qual sua ligação com ele? Você é uma pessoa muito religiosa?
Payet: Foi em uma de minhas primeiras saídas com minha esposa e assessores, em um restaurante próximo ao hotel. Ocorria o batizado de uma criança. Seu pai era um grande torcedor do Vasco, e o terço era para o batismo de seu filho. Ele o ofereceu a mim, desejando-me toda a felicidade e sucesso possível no Vasco. Foi um gesto muito marcante e gentil. Muito carinhoso. E por esse motivo, o carrego desde então.
Sou católico. Sei que no Brasil a base católica é representativa. Isso se deve ao fato de eu ser da Ilha da Reunião. Lá, somos muito religiosos, então tenho encontrado esse mesmo ambiente aqui. É um dos aspectos positivos de estar no Brasil, pois há muitas semelhanças com minha terra natal.
Como é sua rotina fora do Vasco? Você acompanha as ligas europeias? Já visitou alguns locais no Rio de Janeiro?
Quando há Liga dos Campeões, Liga Europa, assisto às partidas, ou estou malhando em casa. Além disso, passo mais tempo no Vasco do que em minha moradia, pois foi o motivo que me trouxe aqui. É essencial para um projeto, para um clube, poder recolocá-lo em seu devido lugar. Principalmente pela ausência de minha família aqui, não tenho outro objetivo senão trabalhar no momento.
Somente saio de casa quando minha esposa vem me visitar. Visitamos o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, as favelas. A cada vinda deles, exploramos um pouco mais, mas ainda não fui à Copacabana.
Você visitou a Vila Cruzeiro, local de origem de Paulinho no Rio. Como foi essa experiência?
Foi algo incrível. Cresci em bairros semelhantes. Fui criado em uma residência com apenas dois cômodos. Quando recebi o convite, aceitei de imediato. Observar as pessoas, presenciar suas vidas, sua generosidade.
Pessoas desprovidas de muitos recursos, mas que oferecem tudo. São essas próprias pessoas que frequentam os estádios, pois o nosso estádio está inserido em uma comunidade, e essa também é a alma de nosso campo. Penso que foi o que compartilhei com o Paulinho. Graças a essas pessoas, a esses bairros, nos tornamos quem somos hoje, então é simbólico retribuir o que eles nos oferecem diariamente.
Tenho uma frase que me inspira, que diz: “Deus concede suas batalhas mais difíceis aos seus guerreiros mais fortes”. Perdemos o Paulinho e depois o Jair, num espaço de duas semanas, com lesões longas. Porém, os vejo todos os dias, estão se empenhando muito.
Dói, não é simples. Há uma semana acompanho isso, vendo meus amigos treinarem, é desafiador. Mas eles ficarão seis meses fora. Estamos aqui por eles, para apoiá-los, e tenho certeza de que retornarão mais fortes, e teremos dois reforços quando se reunirem a nós.
Quais são as principais diferenças entre o futebol europeu e o futebol brasileiro?
Para mim, a diferença mais evidente é que o futebol europeu é mais estruturado. É fascinante assistir às partidas. Acredito que as equipes em destaque atualmente são aquelas que conseguem controlar o ritmo dos jogos.
Administrar os momentos altos e baixos, saber quando reter a bola e quando acelerar. Todavia, sim, aqui parece realmente box to box, é como um estilo inglês, em que há gols, espetáculo, oportunidades, e parece futebol de rua, porém possui sua beleza própria.
Há entretenimento, gols, mas creio que, pelo menos para o Vasco, devemos fazer a diferença. Gerenciar nosso desempenho durante as partidas, para então, espero, obter sucesso. Essa intensidade está presente todos os dias nos treinamentos e nos jogos. Isso é bom, aumenta a qualidade das partidas, gera confrontos mais acirrados.
O que deve ser aprimorado no futebol brasileiro?
A primeira coisa que me vem à mente é em relação à arbitragem. Todavia, quando menciono a arbitragem, é preciso ter cautela, não estou culpando os árbitros. Nós, jogadores, somos os primeiros responsáveis.
Percebi a diferença ao sair da França e ir para a Inglaterra. Na minha primeira partida na Inglaterra, sofri três contatos físicos. Na França, seria apitado, na Inglaterra, o árbitro não apitou em três oportunidades. Na quarta vez, abordei o árbitro para explicar. Ele disse: “De onde você é? Diz ser da França, então bem-vindo à Inglaterra”. E então me adaptei ao jogo. Lá, as faltas são menos sinalizadas.
Isso reduz o caos nas partidas, torna-as mais agradáveis, com mais gols, mais dinâmica. Acredito que seja onde devemos progredir. Reforço que não estou culpando os árbitros. Os jogadores estão envolvidos em faltas pequenas. Em determinadas situações, como