O Vasco da Gama ainda não tornou público o balanço financeiro de 2023 do clube associativo. O prazo estipulado pela Lei Geral do Esporte determina o dia 30 de abril como o limite para a divulgação dos relatórios financeiros. A demora pode acarretar possíveis sanções ao presidente Pedrinho.
O ge entrou em contato com a administração do presidente Pedrinho, que atribuiu ao grupo liderado por Jorge Salgado a redução do quadro de funcionários do setor financeiro do clube. Abaixo, na matéria, confira a entrevista completa com Felipe Carregal, vice-presidente jurídico do Vasco, que justificou o atraso e afirmou não temer punições.
O atraso na gestão de Pedrinho
A antiga Lei Pelé foi absorvida pela Lei Geral do Esporte, porém manteve as penalidades para as entidades desportivas que não cumprem o prazo obrigatório estabelecido – conforme fez a SAF. Desde 1998, a legislação brasileira estabelece obrigações contábeis para ligas esportivas, entidades e clubes. O descumprimento pode resultar no afastamento do presidente.
Em comunicado nas redes sociais do clube associativo, a diretoria do Vasco comunicou a demora na publicação dos balanços e responsabilizou a gestão de Jorge Salgado, ex-presidente, pela redução do quadro de funcionários do departamento financeiro do clube. Segundo a gestão de Pedrinho, essa redução teria dificultado a obtenção de informações e documentações para a elaboração do balanço.
Salgado respondeu às acusações da diretoria de Pedrinho e afirmou que “não pode concordar com a tentativa equivocada de criar uma narrativa fantasiosa para transferir responsabilidades”. Veja a resposta de Salgado mais adiante também.
O ex-presidente já havia rebatido as informações divulgadas na semana passada pelo ge sobre a avaliação das dívidas da atual gestão do associativo, que ascendem a cerca de R$ 200 milhões após classificações de ações ainda em discussão na Justiça.
Em nota, Salgado afirmou que seria “surpreendente” se a gestão de Pedrinho transformasse as contingências – que podem ser revertidas na Justiça ou quitadas com descontos ou acordos posteriormente – em dívidas nos demonstrativos financeiros de 2023.
Em 2014, Dinamite também descumpriu prazo
A administração de Pedrinho repete, uma década depois, a mesma conduta da gestão de Roberto Dinamite. No final de abril de 2014, ano de eleições presidenciais que confirmaria o retorno de Eurico Miranda ao Vasco, a diretoria vascaína também atrasou a publicação do balanço, entregando-o fora do prazo estabelecido.
Na época, a gestão de Dinamite buscava ajustes nos balancetes de 2012, que não haviam sido aprovados no Conselho Deliberativo de São Januário. O balanço foi divulgado somente dois dias após o prazo previsto em lei e ainda sem auditoria externa, o que também contraria a legislação vigente, no entanto, não houve consequências para a administração do então presidente.
Confira o que a Lei Geral do Esporte, no artigo 63, aborda, inclusive a possibilidade de afastamento dos dirigentes e a nulidade de todos os atos praticados por eles em nome da organização esportiva:
§ 2º As organizações esportivas que violarem o disposto neste artigo ficam ainda sujeitas:
I – ao afastamento de seus dirigentes; e
II – à nulidade de todos os atos praticados por seus dirigentes em nome da organização, após a prática da infração, respeitado o direito de terceiros de boa-fé.
§ 3º Para fins de aplicação do § 2º deste artigo, consideram-se dirigentes:
I – o presidente da organização esportiva, ou aquele que lhe faça as vezes; e
II – o dirigente que cometeu a infração, ainda que por omissão.
Explicações do clube associativo e críticas ao balanço da SAF
Leia a entrevista com Felipe Carregal, vice-presidente jurídico do CRVG.
ge: O Vasco informou que “a gestão Jorge Salgado reduziu drasticamente o departamento financeiro do clube após a migração do futebol para a Vasco SAF”. Pode fornecer detalhes sobre isso? Quantos funcionários havia antes e quantos há atualmente?
VP jurídico do Vasco: Sim, houve uma redução significativa. O Vasco contava com um diretor financeiro, um gerente financeiro, um funcionário de contas a pagar, outro de contas a receber, um contador principal, um coordenador contábil, um analista de contabilidade e assim por diante. Toda esta equipe foi transferida para a SAF ou demitida. Todos os setores do clube foram afetados por essa redução. Atualmente, devido à falta de receita, o Vasco não tem condições de contratar todos esses profissionais. Essa é a realidade. O Vasco foi deixado de lado durante a transição do futebol para a SAF.
ge: O Vasco teme sofrer alguma penalidade pelo atraso na publicação do balanço?
VP jurídico do Vasco: Não. Não houve intenção maliciosa. O Vasco não está se recusando a apresentar o balanço. Muito pelo contrário, o clube se manifestou publicamente na terça-feira, esclarecendo os motivos do atraso e garantindo que a publicação ocorrerá em breve, em poucos dias. Não foi, de forma alguma, o que desejávamos.
ge: Reportamos que o clube estimava incluir na dívida contingências de cerca de 200 milhões de reais, o que foi questionado pelo ex-presidente Salgado. Poderia nos esclarecer sobre esse assunto?
VP jurídico do Vasco: Estamos revisando todos os processos judiciais e reclassificando-os de acordo com as normas contábeis (CPC 25), o que pode impactar na provisão de contingências – e este foi um dos desafios que enfrentamos.
ge: Há previsão para a publicação?
VP jurídico do Vasco: Em alguns dias. Estamos em contato diário com a auditoria e com os profissionais terceirizados que estão colaborando de maneira muito proativa e técnica conosco. Somente temos a agradecer a eles.
O comunicado emitido pelo Vasco
“O Clube de Regatas Vasco da Gama comunica o atraso na publicação do balanço financeiro do clube, referente ao ano de 2023, gestão Jorge Salgado. Gostaríamos de esclarecer os motivos que levaram a essa situação, visando a transparência e o respeito aos nossos sócios e torcedores.
A diretoria administrativa da gestão Jorge Salgado reduziu drasticamente o departamento financeiro do clube após a migração do futebol para a Vasco SAF, resultando na terceirização total de suas atividades financeiras e contábeis. Infelizmente, esta transição acarretou transtornos significativos para a obtenção de informações e documentações necessárias para a elaboração do balanço, uma vez que não houve, por parte da administração Jorge Salgado, uma gestão diligente e eficaz nesses processos desde então. Além disso, a precariedade dos controles e processos internos do clube, especialmente no que diz respeito à administração dos passivos contingentes realizada pelos escritórios de advocacia terceirizados e a movimentação da conta corrente com a Vasco SAF, prejudicou imensamente a realização dos trabalhos.
Diantes desses desafios e do compromisso inegociável com a qualidade e veracidade das informações, tornou-se impossível cumprir o prazo estabelecido para a publicação do balanço financeiro. Reconhecemos que esse atraso é inaceitável e compreendemos a importância da transparência e responsabilidade na divulgação das informações financeiras e contábeis.
Ressaltamos o comprometimento em adotar as medidas necessárias para regularizar essa situação, reforçando os controles internos e promovendo as mudanças estruturais essenciais para garantir a eficiência e pontualidade nas futuras prestações de contas.
Pedimos desculpas pela inconveniência causada e reafirmamos nosso compromisso em fornecer, o quanto antes, todas as informações financeiras completas e detalhadas que nossos associados e torcedores merecem.
Agradecemos a compreensão de todos e reiteramos nosso compromisso com a transparência e a lisura na gestão do Clube de Regatas Vasco da Gama.”
A declaração de Jorge Salgado em resposta
“Considerando o comunicado emitido na noite de ontem (30/4) pela atual Diretoria Administrativa do CRVG com as ‘justificativas’ para a lamentável não publicação das Demonstrações Financeiras do clube no prazo legal, acredito que seja necessário fazer alguns esclarecimentos.
Em primeiro lugar, não é correto atribuir à gestão anterior uma obrigação que é exclusiva dos atuais administradores. Ressalto que no primeiro ano de nossa gestão, mesmo em meio a uma pandemia, com a temporada do futebol de 2020 se estendendo até 2021, com a necessidade de realizar uma auditoria nas ações judiciais trabalhistas, sem ter havido um processo de transição administrativa e com a nossa eleição ainda contestada na justiça, apresentamos o balanço do último ano da gestão do presidente Campello dentro do prazo.
Também é válido lembrar que a redução da estrutura administrativa do clube após a constituição do Vasco SAF foi precedida por estudos de consultoria externa especializada e implementada para adequar o clube à nova realidade sem a atividade do futebol. Foi essa nova estrutura que trabalhou na publicação do balanço do ano de 2022, rigorosamente dentro do prazo, apesar do desafio de refletir no balanço do CRVG os ajustes decorrentes da criação do Vasco SAF. Além disso, a estrutura atual do clube sem o futebol é muito menos complexa, com atribuições mais simples, o que facilita significativamente a elaboração dos demonstrativos financeiros.
Se o atraso na publicação do balanço foi devido à revisão de alguns conceitos contábeis à luz dos alertas feitos por mim em relação à classificação de contingências e ao saldo da conta corrente CRVG/SAF, creio até ser positivo, já que as boas práticas contábeis devem prevalecer sempre. Porém, não se pode concordar com a tentativa infeliz de criar uma narrativa irreal para transferir responsabilidades”.
Fonte: ge