Ao lado da churrasqueira, as datas de nascimento dele, dos filhos, irmãos e pais estão registradas na parede. No entanto, para o quase septuagenário Romário, as idades não têm grande importância. Ele diz que está vivendo os melhores dias de sua vida.
A entrevista para o programa Abre Aspas, gravada antes da confirmação de Carlo Ancelotti pela CBF, deveria ter durado 30 minutos, mas o senador decidiu estender para lembrar de sua trajetória, das polêmicas dentro e fora dos gramados — incluindo algumas envolvendo sua família —, comentar sobre sua vida em Brasília e seu novo projeto como youtuber com a Romário TV.
Abre Aspas com Romário Fotos: André Durão — Foto: André Durão
Assista à entrevista de Romário no Abre Aspas
Ficha Técnica
- Nome: Romário de Souza Faria
- Nascimento: Rio de Janeiro, 29 de janeiro de 1966 (59 anos)
- Profissão: Ex-jogador / Senador da República desde 2015, antes deputado federal
- Carreira no futebol: Vasco, PSV, Barcelona, Flamengo, Valencia, Fluminense, Al Sadd, Miami FC, Adelaide United e América. 74 jogos e 56 gols pela Seleção. Disputou duas Copas do Mundo (1990 e 1994). Melhor jogador do mundo pela FIFA em 1994.
- Principais títulos: Copa do Mundo (1994), duas Copas América (1989 e 1997), uma Copa das Confederações (1997); títulos brasileiros e internacionais pelo Vasco e Flamengo; campeonatos holandeses e uma Supercopa pela PSV; entre outros.
ge: Você faz 60 anos no início de 2026. O que significa a idade para você?
— Olha, 60 anos são apenas 60 anos. Acredito que a questão de envelhecer depende muito de cada um. Eu me considero eternamente jovem. Apesar da idade, sou muito feliz e aproveito cada momento.
Você teve bronquite com 11 anos…
— Sim, tive bronquite e asma, mas consegui superar. Estou firme até hoje.
Recentemente, você realizou uma cirurgia em 2017 por conta da diabetes.
— Fiquei diabético e optei por uma cirurgia experimental. Naquele momento, minha glicose estava em 480 e estava começando a sofrer algumas complicações. Após a cirurgia, a glicose normalizou e até hoje mantém-se entre 85 e 95.
Romário toma posse do America — Foto: Raphael Zarko / ge
Lembro que você passou mal no Flamengo e chegou a colocar a mão no coração. Você se lembra disso?
— Sim, recordo. Eu estava há dois ou três dias sem dormir e então tudo virou uma confusão. Estava numa balada e acabei não comendo nada. Então, minha pressão baixou e desmaiei. Foi um susto para todos, mas assim que cheguei ao hospital, já estava bem melhor.
Antigamente, 60 anos era considerado terceira idade. Hoje em dia, como você vê as mudanças em sua vida?
— A primeira grande mudança foi ser pai. Minha filha tem 35 anos e, a partir daí, você começa a ver a vida de outra forma. Agora sou avô e tenho responsabilidades que antes não tinha. Sou senador, presidente do América e lancei meu programa no Youtube, que estou adorando. Acredito que, com o tempo, evoluí e cresci, mas me sinto jovem e ativo. Continuo jogando futebol, futevôlei e malhando. A vida continua boa para mim.
Você está se dedicando muito, especialmente depois de ter dito que não gostava de treinar.
— Para que treinar? Realmente, as atividades que estou fazendo me fazem muito feliz. O que me motivou a entrar na política foi a Ivy, minha filha mais nova, que tem síndrome de Down. Isso me levou a lutar por representatividade para esse segmento e estou fazendo isso há 14 anos. Na Romário TV, estou vivendo um momento muito especial.
Você facilita as pautas do programa?
— Temos um produtor, o Zuca, que é muito competente. Antes de cada entrevista, nós nos reunimos por cerca de uma hora para montar a pauta. Então, contribuo na formação das perguntas.
A churrasqueira com a data de ’29-01-1966′, data de nascimento de Romário — Foto: Raphael Zarko
Você já teve momentos de paz e guerra com a imprensa. Essa experiência te ajudou a entender melhor o outro lado?
— Paz total, não sei se existe (risos). A relação com a imprensa sempre foi um aprendizado. Muitas matérias a respeito de mim falharam em serem totalmente verdadeiras. Poderia ter tido uma relação melhor com a imprensa, mas a relação sempre foi uma troca. Entender esse lado agora como entrevistador me faz ver que, por mais que tenha uma trajetória no futebol, eu sou apenas mais um entre tantos. Quando peço uma entrevista, tenho que estar preparado para ouvir um não.
Num documentário, você se referiu a um jornalista como mentiroso por algo que ocorreu na Seleção. Isso era verdade?
— Sim, aconteceu em Teresópolis. Havia saído com alguns jogadores e, na matéria, alegaram que uma das mulheres presentes era minha. Na verdade, a mulher não era nada minha. Aquilo me deixou muito irritado e fui tirar satisfação (risos).
Romário com o troféu da Copa do Mundo de 1994 — Foto: Alessandro Sabattini/Getty Images
Como você vê a atual distância entre os jogadores e a imprensa?
— Atualmente, é mais complicado. Para você conseguir um jogador, precisa passar por muitos intermediários, e isso faz com que a informação chegue distorcida. A realidade é que essa relação é mais complexa agora, em comparação a quando eu jogava.
A entrevista que fez com o Raphinha foi mais espontânea? Como você enxerga isso?
— Sim, espero que todos sejam espontâneos. Nunca impus pautas, sempre deixei as perguntas livres. O Raphinha é um atleta com muita personalidade e acredito que ele ajudará muito o Brasil nas competições futuras.
O baixinho marrento é um personagem que você criou para lidar com o cenário do futebol?
— Sempre fui assim, não é um personagem. Desde pequeno, sempre tive muita personalidade, que herdei do meu pai. Sempre falei e fiz o que acreditava e, na maioria das vezes, consegui realizar. Não sou um personagem; sou genuinamente eu.
Uma história marcante da sua carreira foi quando avisou ao presidente do Olaria que iria para o Vasco. Como foi essa experiência?
— Em um jogo entre Olaria e Vasco, fiz alguns gols e o Vasco se interessou. Meu pai conversou e ficou tudo certo, mas o presidente do Olaria não quis me liberar. Fui firme e disse que ia para o Vasco de qualquer jeito, e assim foi. Acabei ficando um ano fora em jogos oficiais, mas consegui minha liberação.
Perdeu a oportunidade de fazer mais gols durante esse período ausente?
— Com certeza, perdi uns 30 golzinhos.
O que fez com seu primeiro bom salário no futebol?
— Comprei uma casa para minha mãe em Jacarepaguá. Isso foi após o contrato que assinei no PSV em 1988. Antes, nos contratos que tinha feito, ainda não era suficiente para isso, mas naquele foi.
Você também comprou um prédio para sua família?
— Sim, comprei um prédio para comportar oito familiares que viviam na favela do Jacarezinho. Hoje, muitos ainda moram lá.
Teve um caso em que você retirou vários parentes dele…
— O combinado era que ficariam lá por dez anos sem pagar nada. Ao final do prazo, achei que não estava certo. Depois de 12 anos, fui cobrar e acabei tendo de entrar com um processo, pois alguns não queriam pagar nada.
Foi nesse momento que você disse que “quem tem filho grande é elefante”?
— Exatamente!
Dona Lita, mãe de Romário, morreu aos 86 anos — Foto: Reprodução
Como foi o sequestro do seu pai, que ocorreu pouco antes da Copa?
— Foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Estava no auge da carreira, jogando no Barcelona e aconteceu pouco antes da Copa de 1994. Embora tenha voltado ao Brasil, não quis parar de jogar. Graças a Deus, meu pai foi libertado após um, dois dias.
Você que sempre foi autossuficiente agora se vê como presidente de um clube e senador, dependendo da maioria. Como lida com isso?
— As responsabilidades mudaram muito. Hoje, ao ser presidente do América, tenho que lidar com situações fora do meu controle. Contudo, a vida de avô é incrível, posso brincar e me divertir sem grandes preocupações.
Hoje, onde você se sente mais confortável, no futebol ou na política?
— Neste momento, sinto que na política posso fazer mais. Entrei no Senado para ser a voz das pessoas com deficiência e tem sido gratificante. Sinto que minha representação na política tem dado resultados positivos.
A chegada da Ivy teve um impacto enorme na sua vida, como foi esse momento?
— Quando soubemos que ela teria síndrome de Down, foi um momento que mudou tudo. Era como se Deus estivesse me dando uma missão. Ela realmente transformou meu foco e direcionou minha vida, principalmente em relação à política.
Na política, você também enfrentou pressões, enfrentou críticas ao governo e mesmo candidaturas mal-sucedidas. Como lidou com isso?
— A pressão é constante e aprendi a conviver com isso. Meus compromissos são claros e reconheço a importância de representar as pessoas que votaram em mim.
Onde é mais desafiador transitar, no mundo do futebol ou na política?
— Em ambos os setores, sempre me mantive fiel ao que acredito. No futebol, defendi a classe e, na política, atue como um mediador. Mantenho uma postura que respecita todos, independentemente de partido ou ideia.
Como você vê a Seleção nos últimos anos?
— Temos passado por dificuldades. A Seleção brasileira não tem mostrado o que realmente é, e isso é triste. Faltam organização e resultados convincentes, e isso leva ao desinteresse da população em relação aos jogos.
Você se arrepende de episódios como as caricaturas do Zagallo e do Zico?
— Não é tanto arrependimento, mas financeiramente afetou bastante. Talvez hoje eu não agiria da mesma forma, mas foi um momento marcante na carreira.
E sobre as Copas de 1998, 2000 e 2002, em qual se sentiu mais injustiçado?
— Sem dúvida, 2002, pois a Seleção ganhou e poderia ter sido diferente se eu estivesse lá.
Felipão disse que seu corte da Seleção foi uma questão tática. O que você acha disso?
— Concordo que a decisão foi tática, pois não havia outro motivo. Muitos disseram que não fui respeitoso, mas a verdade é que não fiz nada do que foi dito.
Você foi capitão em um jogo sob o comando dele?
— Sim, fui capitão no primeiro jogo contra o Uruguai. Infelizmente, as fofocas sobre a aeromoça afetaram minha convocação para a Copa.
Em 1998, você se machucou e foi cortado, mas voltou a jogar durante a competição. Achava que poderia ter jogado mais?
— Acreditei que poderia me recuperar durante a Copa e pedi uma oportunidade, mas não fui acreditado. Acabou sendo uma decisão controvérsia da comissão técnica.
Sentiu um clima de vingança contra você por parte do Zagallo e do Lídio?
— Certamente, percebi isso e espero que não sejamos ansiosos por esses sentimentos. Respeito aqueles que foram para a Seleção, mas isso ficou no passado.
Em relação ao Müller, você mencionou que ele não queria você na seleção de 1990, é comum esse tipo de rivalidade?
— Infelizmente, isso era comum naquela época, especialmente entre os que disputavam a mesma posição.
E na história da Festa da Uva, como aconteceu sua saída do Flamengo?
— Essa época causou muito estresse. Sair à noite e ter que lidar com toda a situação foi uma experiência complicada, mas que acabou se esclarecendo posteriormente e não houve penalidades em meu favor.
Entre desavenças, como a de Pelé e Zagallo, qual ou você se arrependeu de não ter resolvido, especialmente a com o Edmundo? Ele irá participar do seu programa?
— Nunca me arrependi de problemas, mas espero resolver as pendências. O Edmundo, por exemplo, talvez apareça no programa e gostaria de ter a oportunidade de conversar novamente.
Edmundo é o mais maluco do futebol?
— Com certeza, um verdadeiro personagem.
Mas vocês tinham uma boa relação, não?
— Sem dúvida, éramos inseparáveis (risos).
Apesar de ser tranquilo em campo, você passou por algumas brigas, como quando defendeu Edmundo…
— Exatamente, sempre estive disposto a defendê-lo (risos). Não hesitei em agir quando vi o que aconteceu com ele.
— Já participei de algumas situações confusas e, sem dúvida, fiz coisas por impulso. Sanguíneo é parte do meu caráter.
Durante sua passagem pelo Barcelona, houve rumores de você levar várias namoradas para os camarotes dos jogos e escolher com quem sair depois?
— Essa fase era bem intensa, mais de uma estava sempre presente. Esses amigos ajudam a administrar essas situações, e tudo acontecia de forma planejada.
Você realiza algum procedimento estético, como botox?
— Não faço nada, tudo é natural aqui.
Renato disse que vai jogar até os 70, você também pretende?
— Com certeza, jogo futevôlei quase todos os feriados, e estou sempre ativo na academia. Espero seguir assim por muitos anos!
Fonte: ge