Um dos primeiros recrutados pela 777 Partners para a Sociedade Anônima do Vasco, Lúcio Barbosa ingressou no clube em agosto de 2022 como diretor financeiro, após a aquisição do futebol pela empresa dos Estados Unidos. De lá para cá, foi promovido a CEO da SAF e desempenhou funções no futebol, até renunciar ao cargo nesta terça-feira.
A interferência do CRVG e o compromisso com a governança da SAF foram determinantes na decisão de Lúcio Barbosa, conforme fontes da empresa. Elas mencionaram que havia intervenção de muitos aliados da gestão de Pedrinho, presidente do Vasco, no cotidiano. Vazamentos de informações sigilosas também provocaram mal-estar internamente.
Mas como o executivo chegou ao ponto de abdicar da posição de liderança na SAF? O ge reúne nessa matéria os detalhes desde o ingresso até a saída de Lúcio Barbosa do Vasco.
Introdução
Lúcio Barbosa, com ampla experiência tanto no mercado nacional quanto internacional, foi o escolhido da 777 Partners para gerenciar as finanças na nova era da SAF do Vasco, em agosto de 2022. Dentre os destaques no currículo do executivo, sobressaiu sua passagem pela gigante tecnológica Apple, de 2013 a 2018. Seu sólido histórico profissional, aliado ao fato de ser torcedor do Vasco, agradou à direção do clube.
Perfil conciliador e substituição de Luiz Mello
Lúcio estava à frente da área financeira, uma das mais relevantes da empresa, e mantinha diálogo com todos os setores, especialmente com o futebol. Embora não tivesse poder de veto em contratações, era frequentemente consultado pelo diretor esportivo Paulo Bracks para avaliações sobre condições de pagamento e valores salariais, por exemplo.
Em menos de um ano no cargo, o CFO foi promovido a CEO interino. Luiz Mello, antigo executivo da SAF do Vasco, foi “remanejado dentro da 777 Partners” e deixou o departamento de futebol do clube. Mello enfrentava grande desgaste com a torcida e associados devido à sua relação com o Flamengo, além de críticas sobre sua gestão.
Com perfil discreto e conciliador, Lúcio alcançou algo que até então parecia distante em 2023 na SAF: a união entre todos os setores do Vasco. A gestão se encontrava em momento de maior aproximação entre o clube associativo e o futebol.
A relação entre a gestão da SAF e o futebol também teve avanços significativos. Mello e Paulo Bracks mantinham uma relação cordial, porém nem sempre estavam alinhados. Houve desgastes relacionados à liberação de recursos para o departamento, bem como dívidas contraídas com clubes e empresários na última janela, o que prejudicou o Vasco no mercado recentemente.
O ge apurou que uma das primeiras ações de Lúcio Barbosa foi implementar uma salvaguarda para proteger a SAF dos acionistas. Anteriormente, se houvesse maioria no Conselho de Administração, poderia ocorrer empréstimos de uma empresa para outra dentro da Companhia, como aconteceu com a 777, que tomou emprestado cerca de US$ 5 milhões da SAF. Lúcio modificou a regra para que o empréstimo só pudesse ocorrer com a aprovação unânime do Conselho, impedindo um segundo empréstimo à 777.
Na reunião que marcou a transição de comando na SAF, com as presenças de Lúcio e Mello, foram liberados recursos adicionais para um maior investimento em reforços, o que contribuiu para as contratações de Vegetti e Payet, jogadores que chegaram em agosto ao clube. Internamente, percebia-se que Lúcio Barbosa era mais receptivo às demandas do futebol do Vasco.
Com o auxílio dos reforços obtidos na última janela e a contratação de Ramón e Emiliano Díaz, a equipe assegurou a permanência na última rodada do Brasileirão. A meta da SAF do clube era reduzir as dívidas com o aporte de 2023, mas a situação emergencial do Vasco no ano anterior tornou a prioridade no aspecto financeiro. O eventual aporte de 2024, se concretizado, seria destinado também à quitação das dívidas.

Permanência, saída de Bracks e efetivação
Menos de 24 horas após a permanência do Vasco na Série A, Lúcio Barbosa optou por demitir Paulo Bracks do cargo de diretor de futebol do clube. Ele ressaltou que o Vasco buscaria um profissional alinhado com a identidade da agremiação.
– Estamos aliviados e muito chateados com tudo que vivemos este ano, e somos todos responsáveis. Concordamos que não podemos mais tolerar isso. O Vasco não merece isso, e no próximo ano faremos diferente – declarou o CEO em 7 de dezembro.
A coletiva de dezembro ecoou negativamente entre a torcida vascaína até os dias atuais. Na época, Lúcio Barbosa prometeu que o Vasco estaria no mercado em busca de grandes jogadores que estivessem à altura do clube. Apesar dos investimentos na janela, os resultados em campo ainda não foram conforme esperado.
– Não falamos em números, mas competiremos no mercado contra os grandes clubes por jogadores que correspondam à estatura do Vasco e que tenham o perfil para atuar aqui, pois não é para todos – afirmou Lúcio em dezembro.
Em comunicado publicado por Josh Wander em janeiro, Lúcio Barbosa foi efetivado. O CEO foi elogiado pela renegociação de dívidas na ordem de R$ 100 milhões, pela reformulação do departamento de futebol e pelo aumento de receita em 60%.
Uma das alterações no departamento foi a contratação de Alexandre Mattos. Lúcio Barbosa e 777 Partners chegaram ao consenso de que ele era o mais qualificado para assumir a função de diretor de futebol. Surgiu então um dos primeiros desafios entre o CEO e a gestão de Pedrinho: o favorito do presidente do Vasco era Rodrigo Caetano, atualmente na Seleção.
Como sócio minoritário, Pedrinho desejava maior participação no dia a dia do futebol do clube. Pessoas próximas ao presidente reclamaram que o CEO não se submetia ao CRVG. O presidente do Vasco chegou a sugerir reforços, como Gustavo Scarpa, hoje no Atlético-MG, e Allan, a caminho do Botafogo, mas os nomes não foram aprovados pela 777 e Alexandre Mattos, respectivamente.
Após a badalada chegada de Mattos, a relação amistosa entre Lúcio e o executivo não perdurou. Vazamentos de informações sigilosas por parte do diretor de futebol e o comportamento dele em algumas transferências minaram a confiança na SAF. Após vazamento de mensagens por parte do dirigente, o CEO agiu prontamente e demitiu Alexandre Mattos, que também enfrentava problemas de relacionamento com Emiliano e Ramón Díaz.
Com a saída de Alexandre Mattos, Lúcio reassumiu funções na empresa. Ele formou uma comissão temporária para lidar com questões urgentes, composta pelo próprio CEO, além dos setores de scout do Vasco e da 777 Football Group. Lúcio se envolveu de maneira mais ativa na busca por reforços para o Campeonato Brasileiro.
Mesmo assim, a gestão do futebol ainda era bastante compartilhada com Johannes Spors, da 777. Lúcio tinha autonomia e voz para defender os interesses da SAF do Vasco, mas Johannes contava com o respaldo da empresa norte-americana, que era acionista majoritária. O CEO teve papel importante, por exemplo, na liberação de mais recursos para contratações na última janela.
Desligamento de Ramón Díaz e Emiliano
Um dos últimos episódios marcantes da gestão de Lúcio Barbosa no Vasco. Após a derrota por 4 a 0 para o Criciúma, a SAF alega que Ramón Díaz e Emiliano solicitaram o desligamento ao chegarem ao vestiário. O CEO, que excepcionalmente não estava presente no estádio por questões pessoais nesse dia, tentou persuadir a comissão técnica a permanecer, mas sem sucesso, autorizou o anúncio da saída dos argentinos.
Em entrevista coletiva após o jogo, horas depois da partida, Ramón e Emiliano declararam terem sido demitidos via Twitter. O ge apurou que ambos mantêm essa versão e defendem que foram tratados de forma injusta pela 777 Partners e por Lúcio Barbosa, alegando que contribuíram significativamente para o Vasco.
Para substituir a dupla argentina, Lúcio Barbosa e Pedro Martins – este contratado pelo CEO para suceder Alexandre Mattos – optaram por Álvaro Pacheco como técnico.
Patrocínio, decisão judicial e saída
No início de maio, o Vasco fechou patrocínio máster após quatro meses. A diretoria da SAF acertou com a casa de apostas Betfair, em um contrato que alcançará R$ 115 milhões até o final de 2025. O valor é três vezes superior ao do patrocinador anterior, em uma negociação que figura entre as maiores do futebol brasileiro.
Em meio à turbulência no futebol, uma decisão judicial retirou o controle da SAF das mãos da 777 e o transferiu para a gestão associativa. Na primeira entrevista após a decisão judicial, o vice-presidente jurídico do Vasco, Felipe Carregal Sztajnbok, relatou que uma ligação do CEO Lúcio Barbosa desencadeou o processo que levou a gestão associativa à Justiça.
– Na sexta-feira passada, recebi ligação do CEO Lúcio Barbosa para falar sobre a notícia de que a 777 estaria buscando um especialista em crise. Lúcio se mostrou preocupado, sem informações concretas e a par de tudo apenas pela imprensa. A situação era completamente surreal. Após reunião, todos os vice-presidentes decidiram preservar nosso patrimônio. Foi uma escalada. Não houve premeditação. As notícias desde a nossa eleição indicavam que algo não estava certo. Tomamos uma decisão firme, dura, mas agora temos tranquilidade, pois fomos os primeiros a proteger o Vasco e a Vasco SAF.
Após a derrota para o Flamengo por 6 a 1, Pedrinho antecipou a nomeação de Felipe para o cargo de diretor técnico do clube devido ao revés. O presidente vascaíno ficou indignado com a goleada sofrida e conversou com os jogadores no vestiário, individualmente, além de comparecer ao centro de treinamento no dia seguinte. No mesmo vídeo, Pedrinho prometeu mais alterações no futebol da SAF.
Nesta terça-feira, uma semana após a promoção de Felipe ao cargo de diretor técnico, Lúcio Barbosa e Kátia dos Santos deixaram seus respectivos cargos de CEO e CFO da SAF do Vasco.
De acordo com fontes próximas ao comando da empresa, a intervenção do CRVG, que detém o controle acionário por decisão judicial, e o compromisso com a governança da SAF influenciaram na decisão. Relataram também que houve interferência de diversas pessoas ligadas à gestão de Pedrinho, presidente do Vasco, nas atividades diárias da empresa. Vazamentos de informações sigilosas também geraram descontentamento internamente.
Aliados de Pedrinho informaram ao ge que Lúcio e Kátia se sentiram desconfortáveis com o afastamento deles do departamento de futebol. Caso os diretores continuassem, tendiam a se ocupar mais das demandas administrativas no escritório da SAF na Barra da Tijuca.
O presidente Pedrinho comentou a saída de Lúcio Barbosa e Kátia dos Santos da SAF do Vasco nesta terça-feira. Após participar de audiência pública sobre a reestruturação de São Januário, o dirigente não escondeu a insatisfação com a saída dos demissionários. Especificamente em relação a Lúcio, o ex-jogador demonstrou estranheza em relação à renúncia.
– Obviamente já estamos em busca de substitutos. Não tínhamos previamente os nomes. Após as renúncias de Lúcio e Kátia terem sido comunicadas, iniciamos a busca por substitutos. Deixo claro que foi uma decisão pessoal. Me incomoda, pois para estar no Vasco é preciso querer estar aqui, isso é fundamental. Em minha gestão, apenas permanecerá no Vasco quem abraça o sentimento do clube, quem quer vivenciar a essência vascaína. Essa essência é sentir a dor e a alegria do Vasco, compreender o que o Vasco representa.
Fonte: ge