O relatório financeiro da Sociedade Anônima Futebolística (SAF) do Vasco no ano de 2023 apontou um crescimento recorde nas receitas do clube, porém, trouxe à tona um debate crucial sobre o montante da dívida e as estratégias para quitá-la.
A SAF, como parte do acordo com a entidade esportiva, deve mais do que possui em ativos. O passivo descoberto, que foi de R$ 594 milhões em 2022 para R$ 601 milhões em 2023, é um reflexo da herança das dívidas adquiridas. O caminho para acelerar os pagamentos torna-se o cerne da questão.
A principal dificuldade reside em reduzir o custo dessa dívida. Isso implica em renegociações para obter descontos, redução de juros e prazos mais longos. Em relação à dívida de aproximadamente R$ 700 milhões assumida pela SAF, até o momento foram pagos R$ 210 milhões – R$ 90 milhões em 2022 e R$ 120 milhões no ano passado. Entretanto, levando em consideração correções e atualizações, a redução líquida foi de R$ 60 milhões.
O Vasco possui duas dívidas expressivas: a tributária, no valor de R$ 240 milhões, consolidada em 2021 com o Governo Federal; e o RCE (Regime Centralizado de Execuções) – que aglutina as dívidas cíveis e trabalhistas da associação, resultando em R$ 223 milhões.
A comparação entre os balanços de 2022 e 2023 revela como os juros elevados impactam na falta de redução da dívida, apesar dos esforços da SAF em cumprir com os pagamentos. A dívida tributária saiu de R$ 244 milhões para R$ 240 milhões, enquanto o RCE diminuiu de R$ 257 milhões para R$ 223 milhões. Dos pagamentos realizados, R$ 55,3 milhões foram destinados às dívidas e R$ 32,5 milhões aos juros.
O Conselho Fiscal da Vasco SAF expressou preocupação com a situação atual da dívida em comunicado divulgado junto ao balanço. Segundo o órgão, os números evidenciam “incerteza sobre a continuidade operacional da empresa”:
“Reconhecemos os esforços na quitação das dívidas de naturezas diversas – RCE, fiscal, previdenciária, bancária, com entidades esportivas, contingências e acordos extrajudiciais – totalizando mais de R$ 140 milhões (principal + juros) pagos somente em 2023. No entanto, o saldo residual da dívida da SAF em 2023 ainda é significativo, os encargos da dívida são elevados, e, portanto, urge a implementação de um plano estruturado de pagamentos/renegociação para assegurar a estabilidade financeira da Vasco SAF.
Defendemos a necessidade de estabilizar os resultados esportivos, visto que, em 2023, a ação – realizada com sucesso – com maior retorno global, inclusive financeiro, para a SAF foi a permanência na primeira divisão do Campeonato Brasileiro. No entanto, é imprescindível reduzir o endividamento da empresa”.
A reportagem questionou o Vasco acerca da estratégia para reduzir os custos da dívida, contudo, a SAF não se pronunciou até a divulgação da matéria. Pessoas ligadas à organização informaram ao ge que já existe uma estratégia de renegociação em andamento e acreditam que houve avanços significativos no primeiro balanço anual completo, indicando um aumento na capacidade de quitar os débitos, avançando na direção da estabilidade financeira.
A demanda do Conselho Fiscal por um plano de redução da dívida é compartilhada por especialistas consultados pelo ge: Cesar Grafietti, economista e consultor especializado em gestão e finanças do esporte; e José Américo, engenheiro com PhD em finanças (leia abaixo).
No caso do RCE, em especial, Américo sugere maior celeridade nas negociações com os credores, utilizando uma estratégia viabilizada pela legislação da SAF. Naturalmente, os credores mais antigos têm prioridade de recebimento. Entretanto, caso um credor conceda um desconto de 30% ou superior, ele passa à frente na fila. Essa tática, na visão do especialista, seria benéfica para ambas as partes.
“O clube enfrentará desafios”
Confira a análise de César Grafietti:
“É uma dificuldade comum em países com altas taxas de juros, como é o caso do Brasil, com uma taxa mínima de aproximadamente 11% ao ano. O clube quita parte da dívida, porém o saldo aumenta conforme os juros elevados. Assim, parece uma batalha constante, onde mesmo com pagamentos, a dívida persiste em crescimento.
Uma das soluções para parte da dívida seria tentar renegociá-la, quando viável, já que as dívidas tributárias, por exemplo, já estão pactuadas com juros mínimos. De todo modo, essa é uma realidade que não afeta somente o futebol e torna-se mais desafiadora quando o endividamento é alto. A 777 estava ciente disso ao ingressar no clube.
Negociar com os credores pode ser uma estratégia, assim como a recuperação judicial. Contudo, essas medidas impactam apenas uma parte dos passivos. Em todo caso, para solucionar o problema, será necessário optar por caminhos complexos, como o RCE ou uma recuperação judicial. Não é uma alternativa simples de gerenciar, por isso muitos tentam resolver sem precisar dela.
Lidar com credores insatisfeitos complica as negociações. Há o risco de solicitações de falência. Demandam tempo e energia. A saída é negociar com os credores, oferecendo descontos e prazos estendidos. A dívida é demasiadamente alta para o tamanho do clube, resultado de gestões temerárias ao longo das décadas, e torna-se crucial equacioná-la. Isso é a realidade. Existem credores sem receber há anos, e é preferível um acordo a correr o risco de não receber nada”.
“Um período crítico para a instituição esportiva”
Confira a análise de José Américo:
“Em 2023, a Transação Tributária e o RCE consumiram R$ 55,3 milhões e diminuíram a dívida em R$ 21 milhões, ou seja, R$ 0,38 para cada R$ 1,00 pago. A gestão da dívida nesses termos restringe-se ao cumprimento dos prazos e não otimiza o custo da dívida em benefício do clube. Em 2024, o Vasco receberá aproximadamente R$ 300 milhões de injeção financeira (R$ 270 milhões corrigidos pelo IPCA). Será um período crítico para o clube, e a gestão da dívida terá um papel fundamental nesse contexto.
Existe a possibilidade de quitar a transação tributária por meio de títulos de dívida emitidos pelo governo, conhecidos como precatórios. Essa opção foi autorizada pela Emenda Constitucional 113/21, ampliando o uso dos precatórios, até mesmo quando adquiridos por terceiros. Esse mercado é dinâmico. O deságio na aquisição dos títulos já foi muito alto, porém recentes alterações o reduziram. Ainda assim, é uma alternativa que merece consideração.
O artigo 17 da Lei 14193 (Lei da SAF) estabelece que a ordem de pagamento do RCE é cronológica. Portanto, as dívidas mais antigas serão as primeiras quitadas. A exceção a essa regra são os credores com acordos que preveem a diminuição da dívida original em pelo menos 30%, garantindo uma posição privilegiada na fila de recebimento.
Essa disposição possibilita ao clube realizar um LEILÃO REVERSO DA DÍVIDA, oferecendo descontos progressivos em troca de prioridade na quitação. Essa estratégia não requer capital, apenas negociação direta com os credores. Alguns credores podem optar por aguardar na fila por até nove anos, caso não aceitem os termos do clube. Porém, essa abordagem deve ser explorada”.
Fonte: ge
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