Quase quatro meses depois do prazo final, São Januário, estádio do Vasco, foi o primeiro a reservar um camarote para pessoas autistas. No entanto, o espaço disponibilizado inicialmente na partida contra o Grêmio, em 14 deste mês, não está conforme exigido pela Prefeitura. Vanessa de Almeida, representante do movimento Autistas da Colina, explicou que o local foi concedido provisoriamente até a construção das salas sensoriais. Ela ressaltou a existência de um projeto em andamento no Vasco e destacou que essa é a primeira ação para incentivar os demais estádios a cumprirem a legislação.
— É um avanço significativo. Como mãe, compartilho das dificuldades enfrentadas por outras famílias que, ao chegarem nos estádios, veem-se obrigadas a sair em poucos minutos devido aos estímulos. É crucial conscientizar a torcida para que evite soltar fogos de artifício, não somente em razão das punições legais, mas por compreender que isso causa desconforto nas crianças. O excesso de ruído perturba, e o ato de atirar cerveja para comemorar pode machucar, sendo comparável a jogar água quente.
Conforme o projeto de lei 7.973, o ambiente deve proporcionar redução do barulho da torcida, servir como refúgio contra luminosidade e aglomerações, e auxiliar na distração e tranquilização sob demanda. A terapeuta ocupacional infantil, Sofia Régis, explicou que as salas ideais devem conter elementos como balanços, almofadas grandes, tecidos elásticos, cobertores pesados, piscinas de bolinhas e abafadores. Itens que contribuem para o conforto sensorial dos autistas.
— Os estádios de futebol são ambientes muito estimulantes sensorialmente. Esses estímulos geram grande desconforto nessas crianças. Por essa razão, é fundamental prover um espaço que favoreça a regulação sensorial.
Em abril, mês de conscientização sobre o autismo, Frederico, um jovem tricolor de sete anos com autismo nível suporte 2, ainda não encontrou no Maracanã um ambiente adaptado. Conforme relato de sua mãe, Monike Lourinho, sempre que Fred vai ao estádio, é uma experiência única para ele, e a felicidade em estar presente é visível, porém, ao soar uma explosão, “todo o brilho se apaga”.
— Ele se sente parte daquele lugar, diz que ali é o seu espaço, gosta de estar ali. Ele se sente bem. É lamentável que, em um estádio como o Maracanã, um dos maiores do mundo, não haja um espaço destinado para pessoas autistas. O ideal seria um ambiente adaptado para que essas pessoas pudessem assistir ao jogo com dignidade e respeito.
Josélio Filho, torcedor do Flamengo, também enfrentou desafios de acessibilidade no Maracanã. Durante a viagem de seus pais da Paraíba para acompanhar a final do campeonato carioca, Josélio optou por ficar em casa devido às limitações estruturais do estádio. Josélio Cabral, pai do torcedor rubro-negro, revelou que, devido ao tumulto e ao barulho típicos de uma partida decisiva, preferiu não levar o filho, mas planeja retornar em uma ocasião mais tranquila.
— A sensação de presenciar um título ao vivo só é conhecida por quem está lá. Assistir pela televisão ou ouvir relatos não se compara. É frustrante não ter condições de proporcionar essa sensação a ele em um país como o nosso.
A falta de acolhimento não se restringe ao Maracanã, gerido pela dupla Flamengo e Fluminense, e ao São Januário, mas também atinge o Nilton Santos, estádio do Botafogo. Tanto Vanessa quanto Monike pontuam que, ao tratar de acessibilidade, muitos se limitam a pensar nas deficiências físicas, desconsiderando as questões invisíveis. Para ambas as mães, a inclusão deve contemplar um ambiente com menor estímulo sensorial para os autistas.
— É crucial que as políticas públicas dediquem mais atenção à inclusão das deficiências invisíveis. Observamos diversas famílias perdendo momentos importantes que as famílias típicas desfrutam ao trazer seus entes queridos para os jogos.
A mãe de Frederico alertou para o atraso dos estádios cariocas em comparação com outros do país. Em São Paulo, apenas a Vila Belmiro, do Santos, não conta com um espaço especializado entre os estádios dos clubes mais tradicionais. A Neo Química Arena (Corinthians), o Morumbi (São Paulo) e o Allianz Parque (Palmeiras) já possuem salas sensoriais. O Corinthians foi pioneiro em São Paulo ao criar um ambiente adaptado para autistas em 2019, contrastando com a inércia no Rio de Janeiro.
— Todos os times têm se mobilizado para promover espaços próprios. Em São Paulo e em outras regiões, já existem iniciativas, enquanto no Rio de Janeiro, lamentavelmente, vemos a falta de acessibilidade. O poder público não demonstra comprometimento com essa causa. Testemunhamos um jogo de empurra sem uma atitude efetiva. Estamos em 2024 e não poderíamos estar debatendo esse tema.
Posicionamento dos Clubes Cariocas
No mês de conscientização sobre o autismo, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco da Gama realizaram ações sociais voltadas à inclusão de crianças com TEA no esporte. Cada clube já desenvolve projetos voltados para esse público, mas a ausência de espaços adaptados nos estádios continua sendo um desafio para a inclusão de pessoas atípicas.
Questionados por nossa reportagem, Flamengo e Fluminense, responsáveis pela gestão do Maracanã, não se manifestaram. O Consórcio Maracanã informou que está realizando estudos para a criação das salas sensoriais. Confira a nota:
“O Consórcio Maracanã está identificando um local estratégico dentro do estádio para implementar o espaço sensorial destinado aos torcedores com Transtorno do Espectro Autista (TEA), conforme determinado pela Lei Municipal nº 7.973. A sala será construída em breve, após o término da licitação para a concessão do Maracanã. Ressaltamos que os clubes gestores (Flamengo e Fluminense) têm promovido ações paralelas com torcedores autistas em suas respectivas partidas realizadas no estádio.”
Nota oficial do Botafogo
“O Botafogo está realizando um estudo para a criação de uma sala sensorial e de lugares devidamente sinalizados no Estádio Nilton Santos. Em breve, tais ações serão implementadas e divulgadas. O Botafogo foi um dos pioneiros a contar com torcidas organizadas para pessoas com TEA, Os Autistas Botafoguenses e a Fogo Serrano, mantendo uma parceria significativa visando a tornar o ambiente dos jogos do Clube mais inclusivo.”
Nota oficial do Vasco da Gama
“Ainda não recebemos notificação oficial, mas já estamos adiantados. Após estabelecermos contato frequente com familiares e torcedores autistas, fomos informados sobre a Lei Municipal e, desde então, iniciamos estudos para atender a essa legislação. Estamos preparando uma sala na região dos camarotes para receber torcedores autistas. Esse espaço está sendo preparado em parceria com o grupo “Autistas da Colina” (inaugurado na semana passada).
Também buscamos o Ministério Público do Rio de Janeiro para compreender a ausência de sanções aos administradores dos estádios, porém não obtivemos resposta. A Prefeitura do Rio de Janeiro mencionou que, com a promulgação da lei 8.276, reexaminará a aplicação da lei 7.973, que torna obrigatória a criação desses espaços sensoriais.
Nota oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro
“Ao considerar a promulgação da lei 8.276, de 3 de abril de 2024, publicada no Diário Oficial em 5 de abril, o Município do Rio de Janeiro está reavaliando a aplicação da lei 7.973 em conjunto com a nova legislação, visto que ambas abordam temas similares.”
Fonte: ge