O que foi a Resposta Memorável e por que é motivo de tanto orgulho para a torcida vascaína? De forma resumida, trata-se de uma carta redigida pelo presidente do clube em 1924, na qual o Vasco abriu mão de se juntar à nova liga que surgia no Rio de Janeiro com o intuito de não ter que excluir jogadores pobres e negros da equipe, indo contra o pedido dos fundadores.
Entenda mais sobre o ocorrido:
Exclusão de “indivíduos de cor”
Em 1907, quando a Liga Metropolitana de Futebol (LMF) passou a se chamar Liga Metropolitana de Esportes Atléticos (LMSA), o jornal “O Fluminense” publicou a seguinte determinação:
“A diretoria da Liga, em reunião realizada hoje, decidiu, por unanimidade, não aceitar como amadores nesta Liga, as pessoas de cor. Para os devidos fins, ficou estabelecido que todos os clubes filiados sejam oficialmente comunicados, para que, cientes desta resolução, possam proceder de acordo com ela” – 22 de maio de 1907.
A LMSA foi dissolvida no final de 1907 e uma nova liga surgiu no ano seguinte, sem uma proibição direta da participação de negros e pobres, mas com esses grupos ainda sendo marginalizados.
Vasco contra o preconceito no remo
O remo era um esporte dominante no Rio de Janeiro no final do século XIX e foi fundamental para a fundação do Club de Regatas Vasco da Gama em 21 de agosto de 1898. O clube relata que, a partir de 1904, seus atletas – a maioria imigrantes portugueses e brasileiros de baixa renda, empregados como atendentes em estabelecimentos comerciais do Rio de Janeiro – passaram a enfrentar um aumento da perseguição.
Em 1904, a Federação Brasileira das Sociedades de Remo aprovou medidas mais rigorosas para inscrição dos atletas no esporte, excluindo “os que exercem qualquer profissão ou emprego que não esteja de acordo com o nível moral e social em que o esporte náutico deve ser mantido.” Em 1907, diante da tentativa de impor regras ainda mais severas contra competidores inscritos nos últimos anos, inclusive campeões, o Vasco se posicionou:
“A Federação, desconsiderando essas qualidades e direitos, decidiu pela exclusão desses amadores que são, entre outros, aqueles que exercem profissões em mercearias, confeitarias etc. A oposição à esta lei por parte da nossa representação foi intensa e apesar de derrotados por votação, fomos vitoriosos, pois os legisladores triunfantes não tiveram a força necessária para implementá-la.”
Continuidade da discriminação no futebol
Em 1917, foi fundada a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT), e o estatuto estabelecido incluía o analfabetismo como um dos principais impeditivos para a inscrição de um jogador. A ocupação do atleta também foi um critério. Por exemplo: “aqueles que exercem profissões degradantes que permitem que recebam gorjetas” não poderiam participar.
– No início do século XX, a maioria da população brasileira era analfabeta, com índices historicamente mais altos entre a população negra do país, como aponta pesquisa do historiador e coordenador do Centro de Memória CRVG, Walmer Peres.
O Vasco, até então predominantemente um clube de remo, ingressou no futebol em 1915. Em 1916, o clube se afiliou à Liga Metropolitana para competir na Terceira Divisão.
Após um começo difícil no futebol, o Vasco encontrou seu espaço em outras ligas, especialmente na região suburbana do Rio de Janeiro, como uma forma de se consolidar no esporte que ganhava destaque no Brasil. O clube passou a dar oportunidades a diversos jogadores provenientes de equipes menores e associações dos subúrbios.
Em 1920, dois “Camisas Negras” que se tornariam campeões em 1923 passaram a integrar o Vasco: Arthur, do Hellenico Athletico Club, e Torterolli, do Carioca Football Club. Nos anos seguintes, mais atletas que fariam parte daquela equipe histórica foram contratados pelo clube. Em 1922, o time conquistou a Série B da Primeira Divisão – no ano anterior, o campeonato havia sido dividido em duas partes. Um ano depois, o clube se sagrou campeão carioca pela primeira vez.
O analfabetismo, critério utilizado pela Liga Metropolitana para excluir os atletas, foi tema de diversos jornais da época, que noticiaram a expulsão de jogadores do Vasco que não sabiam ler e escrever.
“A diretoria da entidade carioca cancelou também o registro do excelente atacante Torterolli, pertencente à equipe principal do Vasco da Gama, por não ser adepto da literatura” – noticiou o jornal “O Imparcial” em 1923.
Para garantir que os atletas pudessem, mesmo com dificuldades na escrita, preencher os documentos necessários e assinar os formulários de inscrição, o Vasco contou com a ajuda do associado Custódio Moura. Bibliotecário do clube, ele ensinava os jogadores a ler e escrever.
Nova liga solicita exclusão de jogadores pelo Vasco
Em março de 1924, clubes rivais do Vasco romperam com a Liga Metropolitana e se reuniram para criar a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA). O Vasco foi convidado a se filiar, mas não participou como clube fundador.
– A Comissão Organizadora solicitou uma série de informações e documentos aos clubes. Além do nome completo de cada jogador, era necessário informar o local de trabalho atual do atleta e o anterior, conforme documento do Vasco.
A AMEA aceitou a inscrição do Vasco desde que o clube excluísse 12 jogadores de suas equipes, sendo sete do time principal e cinco do segundo time. Em sua maioria, os jogadores eram negros e oriundos das camadas menos favorecidas da sociedade. Essa decisão colocou o Vasco, então atual campeão carioca, em desvantagem em relação aos fundadores da nova liga.
A Resposta Memorável
Em 7 de abril de 1924, na sede do clube, o presidente vascaíno José Augusto Prestes redigiu e assinou o Ofício n.º 261, a “Resposta Memorável”. O Vasco desistiu de participar da AMEA e manteve seus jogadores.
Fonte: ge