Seu companheiro de time, Cláudio Adão, havia promovido um jantar que reuniu amigos como Daniel e sua esposa, além do zagueiro Ivan, o lateral direito Edevaldo e o meia Carlos Alberto Pintinho. Sempre o mais alegre e brincalhão do grupo, Gonzalez gostou tanto da peixada que não hesitou em repetir o prato quatro vezes. Pouco após a meia-noite, Adão sugeriu que o casal se juntasse ao restante do grupo em uma boate. A escolha seria a Studio C, em Copacabana, mas o zagueiro recusou, informando que precisava ir cedo a São Januário. Ele optou por não prolongar a diversão na madrugada, preocupado com o próximo adversário, o Fluminense. A esposa, Mabel, desejava que eles ficassem mais tempo, mas ele não cedeu, ignorando o forte instinto feminino.
Assim, Daniel e Mabel se despediram do grupo e se puseram a caminho de casa, localizada na Barra da Tijuca. Ele estava em alta velocidade quando, ao sair do Túnel Dois Irmãos, se deparou com a pista alagada pela chuva. Ao tentar frear, o carro derrapou e colidiu com a coluna de sustentação da passarela em frente à Rocinha. Ele tinha apenas 30 anos e deixou dois filhos, Marcelo e Daniela, de 5 e 3 anos, respectivamente.
Há seis anos no Brasil, o uruguaio de Montevidéu começou sua jornada no pequeno clube Fénix, em sua cidade natal. Seu talento o levou rapidamente para a Seleção Uruguaia, enquanto defendia o Peñarol. Em 1979, foi contratado pela Portuguesa de Desportos. Após dois anos sem títulos no Canindé, fez sua migração para o Corinthians, onde também foi trocado pelo uruguaio Taborda e uma quantia significativa em dinheiro. No Parque São Jorge, consolidou-se como um defensor corajoso e líder da equipe campeã paulista em 1982.
Adquirido pelo Vasco no segundo semestre de 1983, chegou a São Januário com promessas de luta, desmentindo boatos de que era um dos líderes da famosa Democracia Corinthiana, um movimento que pedia maior participação dos atletas nas decisões. Um mês antes de sua morte, ele se destacou como um dos representantes dos jogadores vascaínos, cobrando dos dirigentes melhorias nos prêmios geralmente atrasados, direitos de arena e pagamentos em dia das luvas devidas ao elenco.
Assim que ficou sabendo do seu falecimento pelas ondas do rádio, diversos jogadores do Vasco foram ao Hospital Miguel Couto, incluindo Roberto Dinamite, Aírton, Ivan, Cláudio Adão, Acácio, Geovani, Mauricinho e o goleiro Roberto Costa. O técnico Edu Coimbra, o presidente Antônio Soares Calçada, o vice de futebol José Luís Mano e o supervisor Paulo Angioni também marcaram presença.
No Gigante da Colina, ele se destacou como vice-campeão brasileiro, campeão da Taça Rio e terceiro colocado no Campeonato Estadual, competições em que se destacou em 1984.
“Era uma pessoa incrível, um líder tanto dentro quanto fora de campo, além de um cara excepcional. Lembro que esse trágico evento ocorreu pouco após retornarmos de Porto Alegre, onde perdemos para o Grêmio por 3 a 1. Todos nós ficamos muito abalados. Inclusive, uma partida contra o Fluminense na mesma semana foi adiada, pois o clima estava insustentável”, ressaltou o ex-volante Oliveira.
O ex-zagueiro Duílio, que foi seu parceiro na Portuguesa por 19 meses e defendia o Tricolor das Laranjeiras na época, ficou devastado.
“Daniel era uma pessoa do bem, de bom caráter, um cara de família, sem contar que era um excelente profissional em todos os sentidos. Fizemos uma grande dupla na Portuguesa. Quando nos tornamos adversários, sempre nos encontrávamos após os jogos, pois a empatia e amizade daquele tempo nunca se apagaram. Ele deixa saudades”, declarou o eterno xerife da zaga do Fluminense.
O goleiro titular Roberto Costa, eleito Bola de Ouro da revista Placar em 1983 e 1984, também destacou as qualidades do amigo.
“Foi um grande amigo que eu tive no futebol. Durante as concentrações, éramos companheiros de quarto e parceiros de canastra. Como profissional, ele era exemplar, com muita garra e instinto de liderança dentro e fora do campo. Um jogador excepcional. Sentirei muito a sua falta, pois éramos muito próximos”, relembrou.
O técnico Zé Mário compartilha uma história emotiva de quando ambos jogavam na Portuguesa.
“Cheguei à Portuguesa enquanto ele estava de férias no Uruguai. Eu estava em um hotel e buscando um apartamento. Um dia, depois do treino, fui à administração. Daniel me viu e questionou onde eu estava hospedado. Quando lhe disse, ele se ofereceu para me levar. Respondi que não era necessário, porque o clube já me havia disponibilizado um motorista. Mesmo assim, ele dispensou o motorista. Entrei no carro dele e fomos até a frente do hotel. Ao agradecer pela carona, me despedi, mas ele insistiu que queria subir até o meu quarto. Expliquei que minha esposa estava lá, mas ele não se importou e insistiu. Pensei que ele estava sendo louco. Avisei minha esposa que ele viria comigo. Bati na porta, Bela abriu, e entramos. Ele imediatamente começou a pegar nossas roupas e colocar em uma mala. Surpreso, perguntei o motivo. Ele afirmou que ficaríamos na casa dele. Ficamos atordoados. Eu não o conhecia e vice-versa. Ele saiu puxando as malas e não tive escolha senão segui-lo. Continuava argumentando que aquilo não era certo, mas ele não parava. Chegamos ao seu apartamento, e ele não havia avisado ninguém, até porque celular não existia na época. Entramos de olhos arregalados. Após isso, acabei comprando um apartamento no mesmo condomínio dele. Só o bloco era diferente. Graças a Deus, ganhei um irmão e ainda mantenho contato com sua família. O neto tem 8 anos e sonha em se tornar jogador de futebol”, emocionou-se.
Daniel Gonzalez fez uma marca impressionante durante sua passagem pelo Vasco, consolidando-se como parte dos grandes profissionais que defenderam essa camisa. Ele era um jogador vibrante e destemido, definindo-se como alguém que não aceitava derrotas. Como amigo e chefe de família exemplar, deixará um imenso vazio na vida de todos que tiveram a sorte de conhecê-lo.
Time do Vasco da Gama campeão da Taça Rio de 1984 – Daniel Gonzalez é o primeiro em pé da direita para a esquerda (Foto: Reprodução)
Daniel Gonzalez com a camisa do Vasco da Gama (Foto: Reprodução)
Fonte: Coluna André Luiz Pereira Nunes – Diário do Rio
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