Há exatamente 30 anos, o Vasco derrotou o Fluminense por 2 a 0 e conquistou, pela primeira vez, o tricampeonato carioca – uma proeza já alcançada por Botafogo, Flamengo e pelo próprio Fluminense. Jardel foi o autor dos dois gols que definiram o rumo de sua vida.
A expectativa era palpável tanto nas arquibancadas do Maracanã quanto fora delas. Com base na pontuação do quadrangular final, a partida não trazia importância apenas para as duas torcidas envolvidas. A vitória entre Vasco e Fluminense definiria o campeão. Em caso de empate, o troféu seria do Flamengo.
A ansiedade que pairava sobre os torcedores não se fazia presente em Jardel, que adentrou o gramado confiante de que aquele seria o seu dia. O destino do jogador já tinha sido traçado dias antes, por meio de uma consulta que lhe revelou o que estava por vir.
– Naquela época, eu fui consultar um adivinho, e ele previu que eu marcaria os dois gols do tricampeonato. E assim foi. Hoje em dia, tenho uma religião diferente, sou evangélico, mas guardo essa lembrança – recorda o atacante em conversa com o ge.
De reserva a sucedâneo de um ídolo
Jardel ingressou no Vasco no início dos anos 1990, pelas categorias de base, onde foi bicampeão brasileiro. Também integrou a seleção sub-20 que conquistou o Mundial da categoria em 1993, na Austrália.
Ao subir para o time principal, Jardel não obteve, inicialmente, o mesmo destaque. Em 1992 e 1993, ele alternou entre a base e o elenco principal, contribuindo para as conquistas estaduais desses anos.
– Você me fez recordar o passado. Lembro claramente de 1992. Logo no primeiro toque na bola, marquei um gol. E na quarta-feira seguinte eu já estava de volta nas categorias de base. Guardo boas lembranças, fiz gols em todos os estaduais – conta Jardel.
– Minha trajetória no Vasco foi bastante interessante. Realizei um teste aos 17 anos e fui aprovado. Comecei a marcar gols na base e intercalava entre a equipe principal e as categorias de base. Treinava exaustivamente finalizações após os treinos, o que contribuiu para a minha confiança – complementa.
A mudança de status teve um capítulo triste: 25 dias antes do tricampeonato, o titular Dener faleceu em um acidente de carro na Lagoa Rodrigo de Freitas, significando uma perda devastadora para o Vasco e para o futebol brasileiro da época. A morte do camisa 10 obrigou o clube a reformular o ataque, e Jardel foi o escolhido para substituí-lo. Embora não fosse a primeira opção do técnico Jair Pereira, contou com o apoio de um colega.
– Lembro que o Ricardo Rocha intercedeu junto ao Jair para que eu substituísse o Dener. Ele ficou hesitante, mas me escalou. A relação com o Dener e todo o grupo era excelente. Tínhamos um time repleto de craques: Carlos Alberto Dias, Geovani, Bismarck, França, Luisinho, Pimentel, Carlos Alberto Torres, Ricardo Rocha, Cássio, Carlos Germano, Valdir, Pedro Renato… – relata.
– O Dener era extremamente alegre nos vestiários, muito simpático. O acidente foi uma fatalidade, e eu assumi a responsabilidade de fazer história, o que penso ter alcançado. Posteriormente, visitei o local do acidente e prestei minha homenagem a ele. Se não tivesse falecido, certamente seria um dos melhores do mundo… Gostaria muito que o Vasco retornasse a ser o grande clube de minha época.
O “grandalhão desajeitado” que conquistou o mundo
É notável o patamar de destaque que Jardel atingiu na história do Vasco. No entanto, mesmo sendo artilheiro, ele não conseguiu estabelecer uma forte conexão com a torcida cruzmaltina, nem se firmar no time nos anos seguintes. Em 1995, foi emprestado ao Grêmio.
– Não alcancei a unanimidade no Vasco, as pessoas me chamavam de “grandalhão desajeitado”, e esse “grandalhão desajeitado” foi o autor de dois gols na final. Tive uma trajetória marcante, porém não possuo uma identificação profunda com a torcida, até mesmo pela instabilidade na titularidade. Devo muito ao Vasco, sou imensamente grato a todos que fizeram parte da minha história no clube. Para mim, é algo indelével.
– Infelizmente, a passagem não teve um desfecho positivo, sendo eu emprestado. As pessoas questionam: “Como esse sujeito foi campeão e artilheiro da Libertadores e não foi tão aproveitado no Vasco?”.
Jardel é o único brasileiro a conquistar duas Chuteiras de Ouro, prêmio concedido ao principal artilheiro da temporada na Europa. Passou por dez países: Brasil, Espanha, Inglaterra, Argentina, Turquia, França, Chipre, Austrália, Bulgária e Portugal, onde se tornou ídolo de duas torcidas, a do Porto e a do Sporting. Herói no Grêmio e um dos cinco maiores goleadores da Libertadores, Jardel também vestiu a camisa da Seleção em 11 oportunidades.
– Foi uma trajetória um tanto nebulosa a relação da torcida do Vasco comigo, mas o meu destino estava traçado. Eu tinha que marcar aqueles gols. Hoje, sou ídolo do Vasco, do Grêmio, do Porto, do Sporting e do Galatasaray. Poucos jogadores no mundo conseguem tal feito. É uma história extensa; sempre digo que o sucesso requer muito esforço.
– Tenho convicção de que Deus reservou e reserva coisas grandiosas para mim. Sou um indivíduo de muita fé. Com muita dedicação, sacrifício e treino. As pessoas não tinham conhecimento, mas eu praticava treinamentos na praia à noite. Já possuía boa técnica de cabeceio e realizava dois treinos adicionais na praia, correndo e aprimorando finalizações e cabeceios. Tudo se tornava simples durante a partida, pois apenas escolhia o canto para colocar a bola. Nada aconteceu por acaso.
Laços com Eurico e campanha “Fica, Jardel” no Grêmio
O primeiro contrato profissional de Jardel com o Vasco foi assinado em 1993, durante a gestão do então vice-presidente de futebol Eurico Miranda. Uma das figuras mais marcantes e controversas do futebol brasileiro mantinha uma boa relação com o atacante, que conseguiu persuadir o dirigente a contratar seu irmão posteriormente. O também atacante George Jardel atuou nas categorias de base e na equipe principal em 1997.
– O Eurico era um tanto intolerante, vivia se desentendendo com todos, mas eu mexia com o coração dele, sabia como conquistá-lo, e ele tinha um afeto especial por mim, pois sou muito autêntico e otimista. Eu contava com um irmão que jogava muito bem, dialoguei com o Eurico e ele o levou para o Vasco. O meu irmão se tornou titular lá, ainda mais jovem do que eu, com 16 anos – recorda Jardel, que acrescenta:
– Recordo-me das 10 promissórias de R$ 5 mil que Eurico me fez quando retornei da seleção sub-20 como campeão mundial. Essa oportunidade me permitiu adquirir meu primeiro automóvel, iniciei a alçar voos mais altos, a marcar gols. O Grêmio surgiu, e a história foi bastante fulminante também. Fui emprestado com uma cláusula de compra estipulada em pouco mais de 1 milhão de dólares. Meu sucesso iniciou-se lá, o Grêmio iniciou uma campanha “Fica, Jardel”, e houve até doações dos torcedores para efetivar minha permanência.
“Sinto-me como se fosse um jovem de 17 anos”
Ídolo e vencedor por onde passou, Jardel enfrentou obstáculos após encerrar a carreira. O trajeto fora dos gramados envolveu o consumo de drogas, acusações de corrupção enquanto deputado e enfrentamento da depressão.
Aos 50 anos – prestes a completar 51 em setembro -, Jardel alega estar vivendo o melhor momento de sua vida. Deixou para trás o vício em cocaína e superou a depressão com auxílio da terapia, que frequenta semanalmente.
– Este é o melhor momento que estou vivendo, com Deus, com sabedoria, não consumo mais substâncias ilícitas. Tenho firmado excelentes contratos e relações, revolucionei completamente minha rotina, superei as dificuldades. O conselho que ofereço é que você pode tudo, desde cair até se levantar, não pode é persistir no erro. Todos os dias estou com Deus, frequento terapia, busquei ajuda e conquistei esse fortalecimento diário. Passei por esse caminho e triunfei.
– Estou livre, leio diariamente, registro como foi meu dia. Aos que possuem medo, destaco que enfrentem. Eu lidei com a depressão, enfrentei e superei. Enquanto muitos confrontam problemas irreversíveis, nos lamentamos por questões menores. É preciso erguer a cabeça e encarar cada dia com serenidade, amor próprio e limpeza.
Eleito deputado estadual pelo Rio Grande do Sul em 2014, Jardel foi alvo de investigações do Ministério Público no ano posterior, sob suspeitas de desviar verbas da Assembleia Legislativa, exigir parte dos salários de funcionários fantasmas e até de envolvimento com traficantes. Ele foi afastado do cargo e, ao final de 2016, teve o mandato cassado.
– Fui vilipendiado naquela situação, ficou para trás. Eu sabia que seria eleito, a torcida do Grêmio me elegeu, falhei ao não posicionar pessoas competentes, indivíduos internos armaram contra mim. Consegui desbloquear meus bens, nada foi comprovado, e faltam ainda um ano e meio para prescriver – declara.
Em entrevistas anteriores, Jardel chegou a pedir desculpas ao povo gaúcho por sua inexperiência e afirmou acreditar que a depressão e os problemas com drogas afetaram seu desempenho na política.
Atualmente, Jardel reside em Fortaleza, porém viaja pelo Brasil e pelo mundo participando de eventos. Ele concedeu esta entrevista ao ge quando estava na Itália, seguindo posteriormente para Istambul.
– Participando de inaugurações, com presença em eventos VIP. Estou prestes a firmar contrato com uma casa de apostas. Grandes acontecimentos estão se desenrolando em minha vida, e sinto-me revigorado, agindo corretamente, sem cometer falhas, sem beber, sem recorrer a drogas. Possuo uma estrel