Aos 33 anos e uma dezena de clubes no currículo, Fellipe Bastos ainda não vislumbra o fim da carreira. No momento, ele está sem clube após rescindir com o Goiás no início deste mês. Porém, como bom nostálgico, ele já é capaz de olhar para trás e definir os pontos altos e baixos na sua trajetória. Mas, de uma coisa ele tem certeza:
“Tenho deixado um legado de ser um cara de grupo, que faz de tudo por um bom ambiente. Sou o primeiro a brincar, mas também sou o primeiro a trabalhar. Acho que ser referência é isso. Dentro de campo, pode ser bom ou não nos jogos, mas o que se leva é o caráter “, diz.
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Em conversa com O GLOBO, o volante relembrou a infância no subúrbio carioca, o medo de não ter os pais e a família por perto e amizade eterna com o vitorioso grupo do Vasco, campeão da Copa do Brasil em 2011.
Qual é o seu maior sonho?
Conquistei parte desse sonho. É ter toda minha família com saúde. Meus filhos, minha esposa, meus pais e meu irmão. Mas queria que todos tivessem saúde para sempre. Me vejo na minha casa na Barra, no Rio, com uns 60 anos, após um fim de carreira tranquilo, e todos ao meu lado. Meu pai vai ter que chegar aos 120 anos, e minha mãe, aos 115 (risos). Para isso, tenho mudado hábitos para ter mais saúde e menos lesões. E eles também mudaram. Fizemos reeducação alimentar. Eu amo carne vermelha. Se deixar, é churrasco todo fim de semana. Mas demos uma reduzida. Além disso, todos praticam exercícios.
Não ter mais meus pais, minha mulher e meus filhos. Meus filhos são saudáveis. Mas estão crescendo, até mandar para a escola está tenso. Após os ataques a escolas de abril, minha filha ficou com medo de ir. Conversamos muito com eles, para aprenderem a se proteger, a escutar os professores para saber o que fazer se algo acontecer. Eu e minha esposa somos da Penha (Zona Norte do Rio), escutávamos tiros. Sabíamos diferenciar barulho de fuzil, de pistola. Conseguíamos nos safar de algumas coisas por sermos mais espertos. Meus filhos não têm isso. Não vão saber o que fazer.
Do que sente mais saudades?
Sou nostálgico. Tenho saudade da infância na roça, em Campos (RJ). Passava as férias lá com meus avós, tios, primos. Subia em árvore, pulava no rio, jogava bola. Mas do que eu mais gostava era chupar cana no canavial do vizinho. Meu tio abria caminho com facão e ficávamos escondidos lá. Tinha que ficar esperto porque o dono soltava o cachorro. Uma vez, ele pegou a perna do meu irmão, foi tenso. São tempos que não voltam mais, mas que guardo na memória e surgem às vezes. Como quando uma comida me faz lembrar da Vó Maria, que morreu quando eu tinha 15 anos. Ela fazia um feijão batido e uma galinhada…
Qual a sua pior lembrança até hoje?
O Gre-Nal de 2015, final do Estadual. Vivia meu melhor momento na carreira. Perdi a bola para o Nilmar e saiu o gol deles. Chorei por uma semana. Machucou muito, pois era um título que o Grêmio não ganhava havia cinco anos. Seria muito marcante para mim, era um momento de transição no clube, fui um dos poucos que ficaram no time naquele ano. Toda aquela semana foi muito estranha. Foi a única vez em que joguei infiltrado, queria muito ir para o jogo. Mas não era para ter ido. Acredito muito em Deus. Tinha sinais e eu forcei, podia ter me aposentado com 25 anos por causa da infiltração. Me dói até hoje.
Fiz terapia quando jogava no Sport, com a psicóloga do clube. Não apenas a terapia do grupo, mas fiz com ela individualmente.
Qual legado você acha que tem deixado no futebol?
Ser um jogador de grupo. Um atleta que jogando ou não é importante. Acho que vão lembrar do Fellipe pelo lado pessoal. Tenho deixado um legado de ser um cara de grupo, que faz de tudo por um bom ambiente. Sou o primeiro a brincar, mas também sou o primeiro a trabalhar. Acho que ser referência é isso. Dentro de campo, pode ser bom ou não nos jogos, mas o que se leva é o caráter.
Algum exemplo desse seu lado de jogador de grupo?
Em 2011, no Vasco, tinha o grupo dos mais novos e dos mais velhos. No meio-campo, eu e Diego Souza conseguimos juntar todo mundo. É o grupo que tenho como exemplo (campeão da Copa do Brasil). Jogadores de renome deixaram a vaidade de lado. Em 2017, no Corinthians, foi a mesma coisa (o time foi campeão brasileiro).
Aquele título da Copa do Brasil te marcou?
Muito. Sou vascaíno.Vivi aquela semana intensamente, tinha só 21 anos. Foi um dos melhores dias da minha carreira. Me lembro que jogamos contra o Coritiba no domingo, pelo Brasileiro, e fomos goleados. Era o nosso adversário da final na quarta-feira pela Copa do Brasil. Na segunda-feira, o Diego Souza ficou batendo palmas para mim e disse: “Agora deu confiança para os caras lá, e eles vão vir com confiança para cima da gente. Foram dias apreensíveis até a final.
Ainda tem contato com os ex-companheiros?
Esse grupo é uma família para mim. Falo com uns 10 jogadores ainda, somos amigos pessoais. Diego Souza, Dedé, Allan…
Por quem você levanta todos os dias para trabalhar?
Difícil responder, pode ser “pãe”? Não tenho como escolher um. É por eles que jogo, pela minha mãe e pelo meu pai. Eles abriram mão da vida deles para realizar meu sonho. Meu pai trabalhava embarcado, e minha mãe vivia o meu sonho. Deixava de ter sua vida pessoal para me levar para jogo, treino no fim de semana. Financeiramente também investiam em mim. Sou o que sou hoje por causa deles.
Quais foram os desejos que o futebol te permitiu realizar?
Sempre quis ter uma BMW X3. Arouca tinha, e eu achava muito lindo. Sidnei também tinha lá em Portugal, eu ficava sonhando. Mas ainda não tinha condições. Logo depois consegui comprar, troquei algumas vezes e, por acaso, é meu carro atual. O último sonho foi uma casa grande para minha família, na Barra, no Rio, onde pretendo morar quando me aposentar. Não sou muito apegado a coisas materiais, mas a gente trabalha e quer ter coisas boas. O próximo sonho é uma casa em Orlando (EUA) para ficar perto da Disney. Amo a Disney, sou uma eterna criança, sempre fui apaixonado por aquele mundo.
Fonte: Blog Panorama Esportivo – O Globo Online